O juiz do trabalho Márcio Toledo Gonçalves, da 33ª vara de Belo Horizonte, em Minas Gerais, reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo de carona paga Uber. Na sentença, o juiz afirma cita o que chama de “uberização” das relações laborais. “Muito embora [o fenômeno] ainda se encontre em nichos específicos do mercado, tem potencial de se generalizar para todos os setores da atividade econômica”, afirma Gonçalves. “A ré destes autos empresta seu nome ao fenômeno por se tratar do arquétipo desse atual modelo, firmado na tentativa de autonomização dos contratos de trabalho e na utilização de inovações disruptivas nas formas de produção.”
O autor da ação, que não teve seu nome revelado na sentença, relata que transportava passageiros na cidade de Belo Horizonte no período entre fevereiro e dezembro de 2015. Segundo o motorista, ele teria sido desligado de forma abusiva em 18 de dezembro de 2015, sem receber as verbas trabalhistas a que tem direito. No período citado, ele afirma ter recebido valores entre R$ 4 mil e R$ 7 mil ao mês do Uber e que não foi remunerado da forma correta ao trabalhar no período noturno e em domingos e feriados.
Segundo o Uber, não existiria pessoalidade, ausência de exclusividade, habitualidade, onerosidade e subordinação que configurasse relação empregatícia. A empresa afirma que o autor que contratou o aplicativo de transporte quando se cadastrou, para uma prestação de serviço de captação e angariação de clientes.
Procurada pela reportagem, a empresa afirma que vai recorrer da decisão – um dos argumentos que devem ser utilizados pelo Uber é um caso recente, também de Belo Horizonte, que deu ganho à empresa quando um motorista pediu vínculo empregatício. O caso, decidido em 31 de janeiro de 2017, é da 37ª Vara de Justiça do Trabalho local. “Já existe precedente judicial que confirma o fato de que não há relação de subordinação da Uber sobre seus parceiros”, afirma o Uber.
“Embora os documentos em que constam o cadastro nacional de pessoa jurídica e o contrato social confirmem a tese da defesa no sentido de que a reclamada é empresa que explora plataforma tecnológica, não é essa a conclusão a que se chega ao se examinar, de forma acurada, a dinâmica dos serviços prestados”, disse o juiz, na sentença.
Com a decisão, a Justiça condenou o Uber a pagar aviso prévio indenizado, férias proporcionais (incluindo 1/3 de férias), os valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com a adição de multa correspondente a 40% do valor do contrato (incluindo verbas rescisórias). Além disso, a empresa deverá pagar os valores correspondentes ao adicional noturno, horas extras e feriados, mais um reembolso de R$ 2,1 mil por todo o contrato de trabalho — correspondente às despesas do motorista com itens como combustível, balas e água oferecidas aos passageiros.
Crítica. Na sentença, Gonçalves faz duras críticas ao modelo de negócio do Uber. O juiz afirma que a empresa “se vende” como um fenômeno da economia compartilhada. “Afastado o véu da propaganda, o que desponta é uma tentativa agressiva de maximização de lucros por meio da precarização do trabalho humano”, afirma o juiz. A empresa também é classificada como uma empresa de transportes, não de tecnologia.
Como base para a decisão, o juiz da 33ª vara de Belo Horizonte usa decisões internacionais. Ele cita, por exemplo, uma decisão recente da Justiça do Reino Unido, em que os motoristas que são cadastrados no aplicativo do Uber não devem ser considerados autônomos, mas possuem uma típica relação entre empregador e subordinado. Com a decisão, os mais de 40 mil motoristas do Uber no Reino Unido ganharam um precedente para acionar a empresa na Justiça para receber os direitos trabalhistas.