Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) revela movimentações de grandes volumes de recursos em um caixa bancário dentro do Legislativo de São Paulo.
Movimentações de R$ 500 mil em dinheiro vivo foram realizadas em um único dia, em um caixa bancário dentro da Assembleia Legislativa paulista, segundo investigação do Ministério Público Estadual. Os envolvidos nessas transações são alvo de diferentes frentes de investigação. Sobre quem recebeu o dinheiro, recaem suspeitas de operar desvios de salários de servidores do Legislativo. Já o depositante responde a processo administrativo por um suposto “boom” em seu patrimônio enquanto ocupou diversos cargos públicos – além disso, ele é sócio de outro investigado em supostos esquemas na Assembleia, mas teria tentado “omitir” essa informação às autoridades.
Em 2015, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o Ministério Público Estadual de São Paulo investigava suposto esquema de apropriação de salários na Assembleia Legislativa. Citados em depoimentos, André Pinto Nogueira, influente servidor que já ocupou cargos administrativos da Casa, e Alessandra Crusco, são apontados como supostos arrecadadores dos salários dos funcionários.
O COAF diz ao Ministério Público, por exemplo, que Alessandra depositou R$ 140 mil em sua própria conta, em uma agência bancária no interior da Assembleia Legislativa no dia 17 de março de 2011. No mesmo dia, ela ainda teria feito outros dois depósitos, um de R$ 120 mil e outro de R$ 100 mil na mesma conta.
Naquele mesmo dia 17 de março de 2011, a servidora também teria recebido outros R$ 140 mil em sua conta do então diretor do Ginásio do Ibirapuera e atual chefe do Ministério do Trabalho em São Paulo, Eduardo Anastasi.
Homem forte do PTB, Anastasi foi assessor da Assembleia Legislativa, no gabinete do falecido coronel Ubiratan Guimarães. Entre 2007 e a atualidade, ocupou diversos cargos na Secretaria de Esportes, até o cargo de secretário-adjunto da pasta. A partir de 2015, por escolha do PTB, também chegou ao mais alto cargo de sua carreira: chefe do Ministério do Trabalho em São Paulo.
Na data em que teria feito o depósito na conta de Alessandra, consta que Anastasi comprou um imóvel pelo mesmo valor de R$ 140 mil da RCF Administração de Bens – apontada como “fantasma” pela Polícia Federal, a empresa pertence a Rafael Palladino, condenado por supostos desvios milionários do Banco Panamericano.
Segundo o relatório do COAF, a RCF também aparece como “responsável” pelo depósito de Anastasi na conta de Alessandra. O imóvel comprado por Anastasi da empresa, segundo apurou a reportagem, foi vendido oito meses depois da compra, com lucro de mais de 100%, no valor de R$ 300 mil.
Esta não é a única transação imobiliária do chefe do Trabalho em São Paulo que apresenta lucros elevados. Sua empresa de administração de bens comprou um apartamento de 370 metros quadrados em Santo Amaro, zona Sul de São Paulo, por R$ 1 milhão, segundo escritura lavrada em setembro de 2013.
No mesmo mês, consta registro de que o imóvel foi vendido por R$ 2,3 milhões.
Um outro apartamento cujo registro de compra por Anastasi data de agosto de 2010, no valor de R$ 85 mil, teve a venda registrada em outubro de 2011 por R$ 300 mil – um ano depois, em 2012, ele foi vendido por R$ 150 mil.
Os imóveis geraram rendimentos elevados a Anastasi, segundo os padrões do mercado, mas também chamaram a atenção da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo.
O homem forte do PTB de São Paulo no Ministério do Trabalho responde, atualmente, por acusação de enriquecimento ilícito no âmbito de processo administrativo.
Ele passou a ser investigado pelo órgão à época em que estava na Secretaria de Esporte, por supostas irregularidades em que foi citada a Federação Paulista de Atletismo, entidade que recebeu o maior volume de recursos por meio de convênios com a pasta, totalizando R$ 76 milhões nos últimos 10 anos.
Segundo a apuração da PGE, entre 2006 e 2011, o patrimônio de Anastasi saltou de R$ 46 mil para R$ 683 mil. Os rendimentos informados por ele ao fisco catapultaram de R$ 73 mil para R$ 937 mil.
Anastasi tinha 13 imóveis até 2012, que foram todos vendidos para terceiros ou para sua própria empresa de administração de bens pessoais.
Para a Procuradoria, houve improbidade e infração disciplinar. “Evidencia-se da prova haurida que, depois do ‘boom’ acima destacado, ocorrido no ano de 2010, o patrimônio amealhado pelo acusado Eduardo, continuou a manter uma curva ascendente, mantendo a incompatibilidade verificada entre esse aumento e os rendimentos auferidos pelo imputado”.
Atualmente, ele ganha cerca de R$ 10 mil mensais.
A Procuradoria-Geral do Estado deu conta ainda de que Anastasi omitiu ser sócio da empresa Meca Incorporadora, que é ligada ao servidor da Liderança do DEM na Assembleia Legislativa de São Paulo André Pinto Nogueira – investigado pelo Ministério Público por supostos desvios na Casa.
Segundo o mesmo relatório que apontou as transações entre Anastasi e Alessandra, a Meca fez uma transação de R$ 115 mil em dinheiro vivo em 2014.
Defesas
Com a palavra, Eduardo Anastasi
Sobre os questionamentos em relação a transações imobiliárias realizadas por mim em 2011, afirmo:
1- Nunca tive contato com a empresa RCF e desconheço qualquer membro de sua direção;
2- Todo valor pago na compra do citado imóvel está declaro em meu Imposto de Renda referente a 2011, tanto no ato de compra, como no ato de venda. Nessa mesma declaração, consta o valor do lucro imobiliário pago a Receita Federal por DARF;
3- Todos os valores constantes em meu imposto de renda têm origem e estão devidamente declarados de acordo com as normas da receita federal;
4- Não houve qualquer depósito em dinheiro nas transações envolvendo o imóvel. O pagamento foi feito por meio de cheque administrativo;
5- Por fim, desconheço se a senhora Alessandra Crusco morou no referido prédio.
Sem mais.
Com a palavra, André Pinto Nogueira
Não conheço o teor deste relatório que você mencionou, muito menos de inquérito que o investigue.
Agora, lhe asseguro que todas as minhas movimentações financeiras são compatíveis com meus rendimentos e estão devidamente lançadas em meu Imposto de Renda.
Importante ressaltar ainda que, segundo você mesmo, nenhuma movimentação minha foi considerada suspeita segundo o referido relatório que, desconheço.
Com todo o respeito que tenho pelo trabalho da imprensa, não consigo entender como algo que não teria sido considerado suspeito (nunca fui questionado sobre nada relacionado a essas alegações) possa ser motivo de matéria envolvendo meu nome.
De qualquer maneira, tenho a consciência tranquila e estou à disposição para prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários, se e quando for chamado.
Com a palavra, Alessandra Crusco:
Fiz questão de ir ao banco para descobrir se houve algum equívoco por parte da agência, para tentar entender como surgiu essa história.
Levantei minha movimentação bancária da época e confirmei o que eu já havia te falado: não tem nenhum registro lá sobre esses valores que você mencionou.
A conta que você citou é minha, mas nunca movimentei esse montante que você cita.
Aliás, é isso o que de fato aconteceu e irei apresentar a qualquer autoridade que eventualmente me solicite, junto com a escritura do apartamento e do cheque administrativo utilizado na compra do imóvel
Peço que leve em consideração tudo isso antes de publicar qualquer coisa a respeito, para que não seja cometida nenhuma injustiça.
Neste sentido, acho que seria razoável checar junto à sua fonte essa informação incorreta, reitero nunca ter movimentado a quantia mencionada por você.
COAF
Diante das declarações de Alessandra e de Eduardo Anastasi, a reportagem procurou, insistentemente, o COAF para pedir esclarecimentos sobre o relatório e questionar o órgão se haveria a possibilidade de erros no documento. O Conselho não se manifestou.
Com a palavra, o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende Rafael Palladino:
“Estes fatos dizem respeito a uma venda de imóvel efetivada pela empresa ‘RCF Administração’ que, em consequência, recebeu o valor correspondente a tal transação imobiliária, como registrado nas declarações de renda da referida pessoa jurídica.”
“De outro lado, e justamente por esta razão, é que se desconhece a suposta transferência abaixo mencionada atribuída à empresa ‘RCF Administração’.”
“Sobre a sentença proferida no caso relacionado ao Banco Panamericano, esclarecemos que ingressamos com recurso de apelação com o objetivo de reformar a sentença condenatória.”
Atenciosamente
Advocacia Mariz de Oliveira
Com a palavra, A Secretaria de Esporte:
“A Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (SELJ) informa que determinou o início das investigações que posteriormente foram enviadas à Procuradoria Geral do Estado (PGE). Os detalhes específicos sobre a apuração são de responsabilidade da PGE.”
Com a palavra, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo:
“Por determinação legal as apurações são feitas sob sigilo, o que nos impede de dar mais detalhes além desses que se seguem:
Tendo em vista o tratamento sigiloso que se dá à tramitação dos processos disciplinares, em virtude do disposto no art. 64, § único, da Lei Estadual n° 10.177/98, não é possível o fornecimento de cópia dos autos (exceto ao terceiro que demonstre interesse jurídico), ou mesmo o acompanhamento das audiências que ocorrem na Procuradoria de Procedimentos Disciplinares.
O processo administrativo disciplinar, também por determinação legal, tem por característica o aspecto contraditório, com direito ao acusado de ampla defesa. Elaborada a portaria de instauração, o servidor acusado é interrogado, na presença de seu advogado, momento a partir do qual abre-se prazo para apresentação de defesa prévia; manifestação em que pode pedir a produção de diversas provas.
Segue-se a fase de instrução, em que podem ser produzidas provas orais, documentais e mesmo técnicas. Ao término da instrução, o servidor acusado tem oportunidade de apresentar suas alegações finais, após o que é elaborado um relatório conclusivo, a ser submetido ao secretário de Estado de origem para a decisão.
Proferida a decisão cabe recurso hierárquico, podendo o caso se alçado à decisão do governador do Estado.
A pena máxima que pode ser aplicada em processo administrativo disciplinar é a demissão a bem do serviço público que, além de expulsar o infrator do serviço público, inabilita-o para nova investidura em cargo, emprego ou função pública por 10 (dez) anos. De se destacar que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n° 8.429/92) prevê uma série de outras penas que podem ser aplicadas ao agente ímprobo. Tais penas, contudo, dependem da propositura de Ação de Improbidade Administrativa, que pode ser intentada pela pessoa jurídica interessada. Havendo eventual dano ao erário, o agente fica obrigado a ressarci-lo.
Essa Ação de Improbidade pode ser proposta pelo Estado, através da PGE. A orientação é no sentido de que a ação seja proposta após o término do processo disciplinar. No âmbito judicial a responsabilidade civil é cobrada pelo Estado, também através da PGE. O ressarcimento civil é exigido através de uma ação, a ser ajuizada perante o Poder Judiciário. As medidas de natureza penal incumbem exclusivamente ao Ministério Público.
O efeito prático da pena de demissão é o desligamento do serviço público, com a consequente inabilitação para o exercício de cargo, emprego ou função pública por 05 (cinco) ou 10 (anos), a depender do fato que ensejou a demissão. As demissões por ato que em tese configuram Improbidade Administrativa inabilitam por 10 anos. Tais efeitos práticos, em princípio, dizem respeito tão somente à pessoa jurídica que impôs a pena.
No âmbito do Estado de São Paulo o art. 47, inc. V, da Lei Estadual n° 10.261/68, exige boa conduta para a posse em cargo público, entendendo-se que não atende a tal requisito pessoa anteriormente demitida, pelo tempo da inabilitação decorrente.”