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Tragédia de Mariana: ‘Inundação é crime de perigo comum’, diz TRF-1

Ao determinar o trancamento da ação penal pelo crime de homicídio e por lesão corporal contra executivos de Vale, Samarco e BHP Billiton em razão da tragédia de Mariana (MG), os desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região afirmaram que a denúncia descreve mortes como resultado de inundação, considerado “crime de perigo comum”. Segundo o acórdão, o Ministério Público Federal não apontou “em que ponto residiria a intenção do paciente ou de outro denunciado em matar ou provocar lesão corporal”.

Por unanimidade, os desembargadores trancaram a ação penal, para o crime de homicídio, aberta em 2016 contra executivos de Vale, Samarco e BHP Billiton em razão da tragédia de Mariana. Na prática, os acusados não vão mais a júri popular – que julga crimes contra a vida -, e fica mantido o processo somente para os crimes ambientais e de inundação, que é previsto no Código Penal. A ação foi trancada também para o crime de lesão corporal.

Segundo o acórdão do julgamento, “a despeito da descrição única do crime de inundação qualificada pelo resultado, e de afirmar que as mortes “foram causadas pela passagem da lama de rejeitos oriunda do reservatório de Fundão”, a denúncia imputa ao paciente a prática, autônoma e independente, de 19 (dezenove) homicídios triplamente qualificados (art. 121, § 2º, I, III e IV – CP) e de lesões corporais graves, também autônomas”.

“As mortes e as lesões corporais são descritas na denúncia como resultado do crime de inundação, crime de perigo comum, ao reconhecer a peça que o fato (ou a conduta) teve caráter indeterminado e sem destinatário específico, o que desautoriza (tecnicamente) a imputação autônoma de homicídio (concurso formal), que imprescindiria da demonstração de que o (suposto) crime de inundar teve por objetivo final a morte de determinado indivíduo”, anotam os desembargadores.

De acordo com o acórdão, “não alude a denúncia a nenhuma atitude ou determinação autônoma e consciente do paciente, fora da imputação de inundação, para a prática do homicídio e de lesões corporais em relação a nenhuma das vítimas, tudo (infelizmente) decorrendo da inundação e sem que se cogitasse do propósito de matar ou ferir esta ou aquela pessoa”.

“Como a imputação é moldada na tese do dolo eventual – pelos próprios dizeres da acusação, as mortes e a lesão corporal teriam decorrido do fato de o paciente ter assumido o risco do rompimento da barragem -, seria imprescindível que a denúncia descrevesse a conduta específica que expressasse o dolo, pelo menos na demonstração narrativa da cognição e volição do agente quanto ao resultado da conduta – cognição e volição em relação às mortes e às lesões corporais, não bastando a aceitação do risco do rompimento da barragem”, escrevem.

Os desembargadores também entendem que “também não existe a descrição do elemento subjetivo do tipo (dolo ou culpa), essencial a cada

descrição típica seguida de imputação de crime, como opção da consciência e da vontade livres do paciente, isso sem falar que a imputação de homicídio qualificado pelo emprego de meio insidioso ou cruel, ou por motivo torpe, não se afeiçoa ao conceito de dolo eventual”.

Tragédia

A tragédia de Mariana foi em 5 de novembro de 2015. No dia 20 de outubro de 2016, 21 pessoas ligadas às três mineradoras foram acusadas pela Procuradoria da República de Minas pelo crime de homicídio qualificado. A eles também foram imputados crimes ambientais, inundação, desabamento e lesões corporais leves.

As pessoas jurídicas Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pela barragem de fundão, que se rompeu naquele 5 de novembro, causando a maior tragédia ambiental da história do País, respondem por 12 delitos ambientais.

O juiz Jaques de Queiroz Medeiros, da Vara Federal de Ponte Nova, recebeu a denúncia do Ministério Público Federal em novembro de 2016, e pôs todos os acusados no banco dos réus. No entanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região absolveu dois da acusação de homicídio qualificado, acolhendo pedidos das defesas, em 2018, em decisões que abriram caminho para que outros habeas fossem impetrados para trancar a ação.

O desembargador Olindo Menezes concedeu habeas, inicialmente, a José Carlos Martins, do Conselho de Administração da Samarco, e André Ferreira Gavinho Cardoso, representante da BHP Billiton na governança da Samarco.

Para Martins, a ação penal foi trancada. Para o desembargador, “não pode ser aceita a tese de que competiria” a Martins, “um dos membros do Conselho de Administração, de 23/03/2005 a 04/04/2013, no cumprimento do dever de agir, fora do seu alcance gerencial, determinar pura e simplesmente a desativação da barragem, por cuja construção, a prevalecer a engenharia do pensamento da denúncia, deveria, também, ser responsabilizado penalmente”.

“Teria que ser apontada, em momento ou situação imediatamente anterior à lesão ao bem jurídico protegido, a ação do paciente (garantidor) que pudesse ter evitado o resultado. A denúncia não apontou, na sua conduta, a causalidade de natureza jurídico-normativa, contentando-se com uma suposta causalidade puramente material que, de resto, também, não lhe pode ser imputada, salvo nos domínios da responsabilidade penal objetiva, inadmissível na atualidade penal (art. 13 – CP)”, anotou.

Interrupções

Com a decisão do TRF-1, a ação penal deve ser retomada. Após os pedidos das defesas dos executivos das mineradoras para que os habeas corpus concedidos pelo TRF-1 a outros réus fossem estendidos a eles, o juiz federal Jaques de Queiroz Medeiros decidiu suspender os interrogatórios das testemunhas do processo. Em decisão do dia 15 de outubro de 2018, o magistrado entendeu que ‘é prudente que se suspenda a oitiva das testemunhas, visando evitar a prática de atos processuais inúteis’.

No dia 7 de janeiro, o procurador da República Gustavo Henrique Oliveira pediu “novamente o reagendamento das audiências”. “O andamento da ação penal não há de ficar obstruído pela pendência de julgamentos de habeas corpus, já

que eventual alteração de rito (em relação a alguns réus) não invalida atos instrutórios”, afirmou.

Na prática, a ação não está suspensa, mas as audiências com as testemunhas são os principais passos para o andamento do processo. Após as oitivas das testemunhas de defesa, os réus serão interrogados. Antes da sentença, ainda haverá espaço para a entrega de alegações finais por parte do Ministério Público Federal e dos acusados.

Com a palavra, Billiton:

A BHP lamenta profundamente todas as perdas e está totalmente comprometida com as ações de remediação e compensação. A BHP defende-se nos autos do processo criminal e apoia integralmente a defesa de cada uma das pessoas a ela vinculadas também denunciadas. A BHP tem convicção de que comprovará a sua inocência, bem como das pessoas a ela vinculadas em relação ao rompimento da barragem de Fundão.

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