Apesar das críticas do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) à distribuição de cupons destinados exclusivamente à compra de alimentos, prevista no Programa Fome Zero, a ação emergencial será mantida e começará a ser implementada em “municípios e regiões de risco”, como os atingidos pela seca e os “bolsões de pobreza”. Ao mesmo tempo, serão mantidos os cartões de alimentação que já existem e permitem ao beneficiário tirar o dinheiro diretamente nos bancos federais.

Uma nota conjunta assinada por Suplicy e pelo coordenador executivo do Fome Zero, José Graziano, integrante da equipe de transição, buscou hoje conciliar duas propostas: de um lado, os cartões de alimentação e de outro a manutenção dos programas de renda mínima e do bolsa-escola, defendidos pelo senador, com transferência direta de dinheiro para as famílias pobres.

Hoje, no início da noite, provocou confusão uma declaração do presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), de que o programa de combate à fome teria apenas apenas a retirada direta de dinheiro.

Graziano, porém, confirmou que os cupons vinculados à compra de alimentos em mercados credenciados continuam no projeto.

“Queremos que o cartões vinculados a alimentos cheguem às pessoas da melhor maneira possível. Se pudermos, vamos mandar até pelo correio”, disse Graziano. Ele levantou a hipótese de serem usados até mesmo cheques para serem descontados nos mercados credenciados.

Hoje, o coordenador da equipe de transição, Antonio Palocci, recebeu de representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (Bird) a garantia de que serão formadas parcerias para a implementação de programas da área social. Só do BID, está assegurado para o ano que vem, além dos recursos de programas em andamento, o desembolso de mais US$ 1 bilhão, acertado em agosto deste ano, paralelamente às negociações do governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O destino dessa verba será decidido pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que se reúne hoje com o presidente do BID, Enrique Iglesias. “A oferta que o banco está fazendo é participar dos projetos prioritários do próximo governo”, disse o gerente do Departamento de Operações do BID, Ricardo Santiago. Segundo Palocci, há expectativa de abertura de novas linhas de financiamento nas áreas de saúde e educação.

Nota

Depois de assegurar que serão adotadas “políticas públicas articuladas entre si”, como geração de emprego, reforma agrária, agricultura familiar, bolsa-escola e renda mínima, o documento de Suplicy e Graziano insiste que “combate à fome não é sinônimo de combate à pobreza”.

Citando trecho do programa Fome Zero, a nota acrescenta: “Não é possível eliminar a fome esperando que a renda cresça e seja mais bem distribuída”. Por isso, esclarece, “são necessárias políticas específicas para fornecer os meios básicos para sobrevivência das famílias”.

Suplicy diz ser mais eficaz que os próprios beneficiados decidam onde gastar os recursos que recebem do poder público. Ontem, o senador reuniu-se com integrantes da transição e apontou, em carta dirigida a Lula, “vantagens e desvantagens da instituição dos cartões de alimentação”.

Para evitar a impressão de um racha do PT em relação ao combate à fome, optou-se pela divulgação do documento, intitulado Consenso pelo Combate à Fome e à Miséria.

“As experiências bem sucedidas atualmente existentes, sejam por parte de órgãos públicos, seja por parte da sociedade civil organizada, serão aproveitadas e ampliadas dentro do possível pelo nosso governo”, assegura a nota.

O documento cita o livro de Suplicy Renda de Cidadania – a Saída é pela Porta, em que o senador entrevista o economista James Tobin, um dos idealizadores do renda mínima e cita a distribuição de cartões de alimentos como “um passo inicial no caminho da renda básica ou de cidadania”.

Bancos

O Fome Zero está entre os programas que poderão receber financiamentos de dois dos principais organismos multilaterais, segundo anunciaram ontem o gerente do BID e o representante do Banco Mundial no Brasil, o indiano Vinod Thomas. Segundo Ricardo Santiago, “o BID tem condições de apoiar vários projetos” e entre eles deverão estar aqueles de combate à fome.

O gerente confirmou que a carteira do BID no Brasil soma US$ 10 bilhões em financiamentos de projetos federais, estaduais e municipais e que a metade ainda será desembolsada, em um cronograma para os próximos quatro anos. Já o US$ 1 bilhão anunciado em agosto passado será desembolsado em 2003.

A inclusão de novos financiamentos além dos programados dependerá de acordos com o futuro governo. “À medida que os US$ 5 bilhões são desembolsados, novos projetos são aprovados”, disse Santiago.

Vinod Thomas, que levou um arranjo de flores vermelhas para a equipe de transição, confirmou a intenção do Banco Mundial de elevar para até US$ 4,5 bilhões os financiamentos ao Brasil previstos para 2003 e a metade de 2004. Thomas não confirmou a hipótese de o Bird abrir mão da contrapartida. “Cada empréstimo tem uma contrapartida do governo, dependendo do projeto”, afirmou.

A carteira total de investimentos do Banco Mundial no Brasil chega a US$ 8,9 bilhões. Em 2002, foi desembolsado US$ 1,5 milhão. O início da transição coincide com o período em que o Bird estará preparando usa estratégia para os próximos dois anos. Segundo Thomas, os programas apresentados pelos petistas serão levados em conta na hora de decidir os futuros empréstimos.

“Vamos discutir com a sociedade civil, a iniciativa privada e o governo as prioridades que vamos ter”, informou o economista indiano.

Thomas almoçou com Palocci. O próprio Banco Mundial encomendou em um restaurante saladas, sanduíches e refrigerantes, que foram entregues em dez pacotes na sede do escritório de transição, no Centro de Treinamento do Banco do Brasil.

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