As audiências públicas organizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a legalidade da interrupção de gravidez em casos de anencefalia do feto foram encerradas nesta terça-feira (6). Ao fim do debate, o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, disse, segundo o site da instituição, que a previsão é de que o processo seja julgado, pelos 11 ministros do STF, em novembro. No entanto, ele ponderou: “Há quem diga que sou otimista em excesso quanto à agilização da máquina judiciária.”
Ele lembrou que a ação esteve parada no STF por quatro anos, aguardando um momento propício para a realização das audiências públicas. Quanto à decisão, apenas afirmou que o STF visará à preservação da saúde física e psíquica da mulher. Esta foi a terceira audiência pública promovida na história da Corte. As duas anteriores aconteceram recentemente sobre pesquisa em células-tronco embrionárias e importação de pneus usados.
Mello considerou que a audiência foi “norteada pela espontaneidade e pela liberdade em seu sentido maior”. E disse que, com os argumentos apresentados, chegará ao seu relatório e ao seu voto. “Sem elementos não há julgamento, não se julga”, afirmou. De acordo com o STF, tudo o que foi falado durante as audiências será integrado ao processo com DVDs que serão encaminhados aos ministros do Supremo.
No total, foram quatro dias de audiências públicas com representantes de 25 instituições, entre eles ministros de Estado e cientistas. De um lado, defensores do direito de as mulheres decidirem sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos. Do outro, aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de um feto sem cérebro.
Dois lados
De acordo com informações do site do STF, durante a audiência pública desta terça, o médico psiquiatra Talvane Marins de Moraes, especializado em psiquiatria forense e medicina legal, comparou a obrigação de manter um feto anencéfalo no útero ao sofrimento causado pela tortura. “É como se o Estado estivesse promovendo tortura em uma mulher, que mais tarde pode apresentar um quadro grave de estresse pós-traumático”, advertiu.
Ele comparou a falta de atividade cerebral de um feto anencéfalo à de uma pessoa com morte cerebral. “Não há ondas cerebrais no anencéfalo; não há manifestação, como na morte encefálica”, disse. Ele informou que a anencefalia é a segunda malformação congênita mais comum, especialmente no Brasil, considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o quarto país do mundo com maior incidência de casos.
O especialista refutou a interpretação de que retirar um feto anencéfalo do útero seria um crime. “É um crime impossível porque o feto é considerado morto e depois disso é retirado. Não é um aborto que mata, mas um aborto que salva a vida da mãe de riscos desnecessários”, declarou, lembrando que 75% dos fetos morrem dentro do útero – o que causa riscos para as gestantes.
Já a ginecologista e obstetra Elizabeth Kipman Cerqueira defendeu a continuação da gravidez. “O feto é vivo seriamente comprometido quando nasce, com curtíssimo tempo de vida, mas está vivo”, disse, de acordo com o site do STF.
A médica ainda avaliou que a mãe sofre risco durante a gravidez, mas o risco maior seria na antecipação do parto, que na verdade seria um trabalho de parto prolongado de três a onze dias de internação e que poderia causar ruptura interina e infecção. De acordo com ela, no caso de manter a gravidez, os problemas seriam 100% resolvidos, enquanto nas complicações da antecipação do parto as seqüelas seriam permanentes para a vida da mulher.