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SP troca hospitais psiquiátricos por casas terapêutica

Sol não tem sonhos. É que a vida, diz, é boa, boa de verdade. Afinal, ela gosta de pintar – e pinta. Gosta de conversar com os amigos – e conversa. Gosta de ajudar na casa – e pode até sair mostrando para todo mundo como empilhou os sapatos e dobrou, uma a uma, as roupas que guarda no armário. Sol só não gosta de mexer com fogo nem de sair sem um adulto por perto. Tem medo, desde que se lembra. Desde que se lembra, também, não tem família. Foi abandonada pelo pai e pela mãe aos 2 anos – idade em que foi internada. Hoje, Sol tem 43.

A primeira internação de Sol foi na extinta Febem, quando provavelmente ainda era criança demais para ser diagnosticada com algum tipo de transtorno. Também viveu reclusa em hospitais psiquiátricos, os manicômios. No último, em Salto de Pirapora, no interior, ficou por mais de 20 anos. A rotina mudou há dois meses, quando passou a morar em uma residência terapêutica: uma casa de dois andares em Guaianases, na zona leste, que divide com outros sete pacientes.

A mudança faz parte de uma política antimanicomial que ganhou força na década de 2000. No fim de novembro, a gestão Fernando Haddad (PT) encerrou os últimos dois convênios que tinha com hospitais psiquiátricos e passou a atender os internos na rede municipal de saúde. Na ocasião, cerca de 150 pessoas foram transferidas de dois hospitais: um em Pirituba, na zona norte, e outro em Sorocaba, no interior. “A internação deixou de ser a única opção e passou a ser a menos importante”, diz o psiquiatra Roberto Tykanori, coordenador de Saúde Mental da Prefeitura.

Sol chegou à residência terapêutica trazendo um diagnóstico de transtorno bipolar e poucas recordações do passado. Da mãe, lembra o nome. “Socorro, pelo que me disseram.” De onde veio, quase nada. “Parece que sou do Rio de Janeiro”, conta, com expressão de quem se esforça para não passar uma informação errada. Fica visivelmente mais feliz quando perguntam seu nome completo, porque sabe responder rapidinho. “Maria, Solange, Socorro, Cavalcante”, diz, contando as palavras nos dedos.

Ela afirma que estava receosa de sair do hospital psiquiátrico, mas acabou aprovando a mudança. “Lá tinha muita gente, aqui é mais tranquilo”, afirma. “Já fui amarrada umas três vezes no hospital, porque ficava nervosa, mas agora não fico mais.” Os pacientes têm acompanhante comunitário 24 horas, além de enfermeira de segunda a sexta. Sol vai a pé fazer tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que fica a poucos metros da residência terapêutica.

Outro privilégio é que ela pode dividir um quarto só com o namorado, o paciente Ademir Gonçalves, de 58 anos, que nasceu em Santo Amaro, na zona sul, tem passagem por manicômio judiciário e gosta de combinar a cor do boné com a da camisa. Os dois se conheceram em Salto de Pirapora. Diagnosticado com esquizofrenia, Gonçalves também perdeu os pais cedo, aos 12 anos, e foi morador de rua. “A gente nunca brigou”, conta Sol, sobre o relacionamento que já dura cinco anos.

É ela quem arruma o guarda-roupa do namorado. “Um é bom para o outro”, diz Gonçalves. Como são os únicos na casa que recebem benefício financeiro, o casal acaba ajudando os demais pacientes não só com tarefas domésticas – entre elas, dar banho em um amigo deficiente visual. Compram produtos de higiene, comida e até cigarro para os outros. Na semana passada, pediram pizza de muçarela e de calabresa. “A gente passa muito bem aqui”, conta Sol, aos risos.

Antes de se deitarem para dormir em camas separadas, Sol e Gonçalves sintonizam o rádio na Alpha FM, à espera de músicas pop mais antigas. Para provar que é fã de Madonna, Sol cantarola Like a Prayer, que dá nome a um álbum gravado no fim da década de 1980. You’re in control, just like a child, canta. Em português: “Você está no controle, como uma criança.”

Manicômios. Para o psiquiatra Roberto Tykanori, a retirada de pacientes de manicômios é uma consequência de uma política que transferiu o atendimento para a própria rede municipal. “Não dá para atribuir a esta gestão exclusivamente”, afirma. Segundo o especialista, o avanço foi gradual. Em 2013, primeiro ano da administração Haddad, havia 530 leitos contratados em hospitais psiquiátricos – número considerado baixo. A partir de dezembro, mais nenhum.

O hospital psiquiátrico deve receber paciente em fase aguda de transtorno psicótico ou dependência química, para que ele seja estabilizado e possa voltar ao convívio social. A internação varia, em média, entre 30 e 60 dias, mas há vários casos de reincidência e de tratamentos que chegam a durar anos. “Isso gera o paciente crônico, que não melhora nem piora”, diz Tykanori. “A possibilidade de essas pessoas retornarem para casa é quase nula.”

O modelo que substitui os hospitais psiquiátricos aposta na assistência social. “O melhor método de aprender a viver na sociedade é participando dela”, diz Tykanori. O sistema de atendimento inclui os Caps, que recebem mais de 32 mil pessoas e oferecem remédios e acompanhamento psiquiátrico e psicológico. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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