Sonegação leva dona da Daslu à cadeia

Daniel Pera / Agência O Globo

Polícia Federal apreende
material na loja Daslu.

São Paulo – A empresária Eliana Piva de Albuquerque Tranchesi, dona da Daslu, foi presa pela Polícia Federal (PF) ontem pela manhã em São Paulo. Mas, no início da noite foi libertada por força de um habeas corpus expedido pela juíza Maria Isabel do Prado, da 2.ª Vara Federal de Guarulhos. A Daslu é a loja mais sofisticada do País e o novo prédio, na Marginal Pinheiros, foi inaugurado no mês passado. Rui Fragoso, advogado da loja, afirmou que a Daslu aluga espaços dentro para empresas de terceiros, que podem ser o alvo da megaoperação da Receita Federal.

Segundo a Polícia Federal, as acusações contra Eliana e mais três pessoas são de formação de quadrilha, falsidade material e ideológica e crime contra ordem tributária. Também está sendo investigada sonegação de imposto sobre o lucro da Daslu.

A Polícia Federal deu início à ?Operação Narciso?, às 6h no novo prédio da Daslu. Eram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão decretados pela Justiça Federal. A operação também chegou à antiga sede da loja. No antigo escritório, localizado na Vila Nova Conceição, bairro nobre da zona sul da capital paulista, a polícia apreendeu 23 caixas com notas fiscais de 2004. Em algumas delas, estava escrito que o material deveria ser incinerado após setembro de 2005. Segundo fiscais da Receita Federal, documentos como os encontrados deveriam ser guardados por pelo menos cinco anos.

A PF informou que a Daslu adquiria produtos por meio de importadoras que subfaturavam as mercadorias para reduzir a incidência de Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) importados. Segundo a PF, a fatura comercial verdadeira era trocada por outra com valor inferior.

As investigações começaram há 10 meses, ainda em 2004, quando foram apreendidos em aeroportos de São Paulo e Curitiba produtos com notas fiscais falsas e verdadeiras. Os mandados de busca e apreensão e de prisão estão sendo cumpridos, além de São Paulo, em Santa Catarina, Espírito Santo e Paraná.

Laranjas e fantasmas

O procurador da República em Guarulhos, Matheus Baraldi Magnani, afirmou que há indícios de que a loja usava ?laranjas? e empresas fantasmas na importação de produtos. ?As investigações apontam para indícios de importação fraudulenta, feita por empresas declaradas inaptas pela Receita Federal, pois não existiam de fato, era um mero endereço, sem existência concreta. Eram fictícias. Uma importação era feita por uma empresa laranja nos Estados Unidos, através de uma empresa laranja no Brasil, que depois revendia todo o produto da importação à Daslu. Uma das empresas, por exemplo, gerava prejuízo todos os meses?, afirmou o procurador.

Magnani disse que ainda não é possível estimar o prejuízo que o esquema trouxe aos cofres da União, mas que isto funcionava há pelo menos dois anos. ?Isso ainda depende da análise da documentação apreendida, mas com certeza o desvio é na casa dos milhões de dólares?, assegurou.

Rica, Eliana Tranchesi trabalha por se considerar comerciante nata

São Paulo – A empresária Eliana Piva de Albuquerque Tranchesi, 49, é proprietária da Daslu, o maior templo do consumo de alto luxo do País.

Nascida numa família rica, Tranchesi não precisaria trabalhar para sobreviver. Mas ela cansou de dizer que descobriu que tinha dom para negociar e que era uma comerciante nata.

A entrada de Tranchesi para o mundo da Daslu ocorreu da forma mais natural possível. A primeira loja começou a funcionar em 1958 na casa de Lucia Piva de Albuquerque, mãe de Eliana Tranchesi. A loja foi aberta em sociedade com Lourdes Aranha dos Santos.

Tranchesi dizia que, como única mulher entre seis filhos, ela gostava de roupas e de fazer compras, mas nem pensava em trabalhar na loja da mãe. Seu sonho era ser artista plástica. No entanto, ela acabou indo trabalhar como vendedora na Daslu para ajudar a família. E foi aí que teria pego gosto pelo negócio.

Eliana assumiu o controle da butique em 1983, após a morte da mãe. Desde o início contou com a ajuda dos irmãos no negócio.

A primeira grande virada na vida de Tranchesi ocorreu em 1990, quando as importações foram liberadas pelo então presidente Fernando Collor de Mello. Ela foi para a Europa e voltou com a mala abarrotada de marcas famosas que caíram no gosto dos endinheirados brasileiros. A partir daí, a Daslu virou referência para quem tinha dinheiro para gastar e queria ver e ser visto.

A segunda grande virada de Tranchesi se deu neste ano, quando ela inaugurou em grande estilo o megatemplo da Daslu às margens do rio Pinheiros, em São Paulo.

Vida pessoal

Os amigos de Tranchesi dizem que ela costuma acordar cedo e fazer ginástica em casa mesmo. Chega na Daslu por volta das 11h e encerra o expediente no final da noite.

Ela tem três filhos: Marcela, Luciana e Bernardo. Todos eles vestem roupas da Daslu. Religiosa, Tranchesi costuma ir à missa todos os domingos.

Seu braço direito é Donata Meirelles, mulher do publicitário Nizan Guanaes, e amiga de todas as horas.

Depoimento

Eliana Tranchesi disse ontem desconhecer os procedimentos contábeis e fiscais de sua loja. Afirmou que se envolve diretamente apenas com o marketing da empresa. As afirmações foram feitas durante depoimento na sede da Polícia Federal.

O Ministério Público e a Polícia Federal estão satisfeitos com o rumo das investigações.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Daslu afirmou que ?está colaborando com a operação, no sentido de fornecer todas as informações que forem solicitadas?. A assessoria, no entanto, não se manifestou sobre a prisão da proprietária.

Nova loja da Daslu foi inaugurada em junho

São Paulo – Inaugurada em junho passado, a nova loja da Daslu é o símbolo do consumo da elite na capital paulista. A gerente da loja é Donata Meirelles, mulher do publicitário Nizan Guanaes, publicitário que comandou campanhas eleitorais do PSDB, entre elas a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma das gerentes da loja é Sophia Alckmin, filha do governador Geraldo Alckmin.

A nova loja abriu há um mês e fica na avenida Chedid Jafet, 131, paralela à Marginal Pinheiros. O prédio, em estilo neoclássico, tem sido comparado a um templo. Tem 20 mil metros quadrados, com dois restaurantes, bar, spa, cabeleireiro. A loja reúne 123 grifes, 63 internacionais e 60 nacionais. Só de sapatos são cerca de 3.500 modelos expostos.

Bem menos discreta do que a sede anterior, que era um conjunto de casas na Vila Nova Conceição, na zona sul, o nova sede reúne concessionárias de veículos da marca Jaguar, Pajero, Volvo e MiniCooper, além de nove joalherias. Grifes como Chanel, Gucci, Valentino, Prada e Louis Vuitton estão distribuídas nos quatro andares do prédio, que tem ainda heliponto e um helicóptero pendurado no teto.

Para entrar na loja é preciso ter carteirinha. Quem ainda não tem terá de passar antes por um balcão para fazer o cadastro. Atualmente, a maior parte das clientes (85%) é de São Paulo.

Por pressão dos moradores, a loja precisou deixar a Vila Nova Conceição, bairro residencial. A briga entre a Daslu e seus vizinhos durou anos. A loja funcionava em 23 casas interligadas e os vizinhos, de classe média alta, achavam que ela causava transtorno.

Alckmin

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, preferiu não comentar as investigações sobre sonegação e contrabando na loja Daslu, pois considerou que o assunto é de caráter privado. ?Não tenho muitos detalhes, mas toda empresa está sujeita a investigação. Não há problema, desde que tudo tenha sido feito dentro das normas legais.?

Sobre o fato da filha dele, Sophia Alckmin, trabalhar na loja, o governador afirmou que ela é apenas uma funcionária como centenas de outras pessoas que trabalham na empresa.

Questionado se o governo do Estado teria identificado alguma sonegação fiscal por parte da Daslu, Alckmin disse que não tinha informações sobre o assunto da Secretaria da Fazenda.

Documentos apreendidos em Maringá

Sâmar Razzak

A Polícia Federal apreendeu ontem, em Maringá, 16 computadores e diversos documentos da Opus Trading, empresa de exportação e importação que prestava serviços à loja paulistana Daslu. A ação fez parte da Operação Narciso.

De acordo com a PF em Maringá, a Opus é uma prestadora de serviços e está sendo investigada porque fez ?desembaraços aduaneiros? para a Daslu. Estes desembaraços nada mais são do que liberação de cargas para importação ou exportação. Para isso, lojas contratam empresas terceirizadas como a Opus que cuidam de toda a documentação necessária para fazer as liberações junto aos órgãos competentes – no caso, a Receita Federal. Ainda não foi estabelecida relação da Opus Trading com o esquema de sonegação apurado na Daslu. Todo o material apreendido está na sede da PF em Maringá e será encaminhado à superintendência da PF em São Paulo para análise e perícia. O cumprimento do mandado de busca e apreensão em Maringá contou com o apoio de 10 policiais federais e cinco auditores da Receita Federal.

Depois da ação, a Opus manteve as portas fechadas e seus dirigentes não comentaram o assunto. Durante todo o dia, ninguém atendeu ao telefone na empresa.

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