O pesquisador francês Jean-Pierre Sauvage, vencedor do Prêmio Nobel de Química 2016 ao lado do escocês J. Fraser Stoddart e do holandês Bernard L. Feringa, é um homem sem pressa. Às vésperas da aposentadoria, ele acaba de receber a mais elevada distinção científica de sua área e, daqui para a frente, diz ele, sua carreira científica está perto de ser encerrada.

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Professor da Universidade de Estrasburgo e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) esteve na vanguarda em sua área ao longo dos últimos 35 anos, desde a época em que foi discípulo de outro laureado da Academia Real de Ciências da Suécia, o também químico francês Jean-Marie Lehn, vencedor em 1987.

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Estar na vanguarda em termos de ciência significa nem saber ao certo quais serão as implicações concretas de suas descobertas. Sobre a máquina molecular, que desenvolveu ao mesmo tempo que Stoddart e Feringa, as aplicações mais concretas estão na medicina. Uma delas são os minirobôs motorizados capazes de se deslocar pelo corpo humano e bombardear células defeituosas com medicamentos. Parece coisa de ficção científica – até para Sauvage. A seguir a síntese da entrevista exclusiva concedida na noite desta quarta-feira, 5, falando por telefone de Estrasburgo.

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É inevitável perguntar: como o senhor recebeu a notícia? Como foi descobrir que o senhor se tornou Prêmio Nobel?

É um choque, uma perturbação no bom sentido. Recebi um telefonema da Suécia nessa manhã, do Comitê do Prêmio Nobel, no qual eles disseram: “Você foi laureado do Prêmio Nobel de Química neste ano”. Confesso que tive dificuldades para acreditar, mas no final me dei conta de que era verdade. Recebi a notícia com muita emoção, e ao mesmo tempo muita alegria.

O senhor conviveu no início de sua carreira com outro Prêmio Nobel de Química, Jean-Marie Lehn, que foi seu orientador de tese. Como essa proximidade o influenciou?

Trabalhei com Jean-Marie Lehn, depois parti ao exterior por um tempo, voltei ao seu laboratório. Comecei meu laboratório em 1979 e, a partir desse momento, fomos totalmente separados, porque cada um trabalhava no seu instituto. Nós permanecemos amigos, muito próximos e muito felizes de conversar sempre que nos encontrávamos. Minha formação com Jean-Marie Lehn teve com muita certeza uma grande influência na minha forma de abordar os problemas científicos e minha maneira de me relacionar com as pessoas no laboratório. Temos relações muito simples e muito amigáveis. E nisso ele teve uma grande influência, sem dúvida.

A Academia Sueca comparou a importância dos seus trabalhos de pesquisa sobre o motor molecular à criação do motor elétrico no século 19. O senhor acha a comparação pertinente?

Por que não? Acho que sim. Fazer motores com moléculas era algo que parecia completamente impossível, fora da realidade e não muito racional há 20 anos. Nos últimos 20 anos o cenário mudou muito e isso se tornou uma realidade. Hoje somos capazes de fazer motores moleculares, rotativos ou lineares, e nas ciências moleculares trata-se de algo muito revolucionário, creio eu.

O motor elétrico deu origem a avanços muito concretos, como o trem elétrico, por exemplo. Que usos futuros o senhor vê para o motor molecular?

Honestamente eu não me sinto capaz de responder essa questão. Não sei mesmo, não consigo antever essa perspectiva. Digamos que o motor molecular pode de fato ter aplicações muito interessantes, importantes mesmo em vários domínios, mas dizer hoje que o motor molecular vai ter um impacto comparável ao motor elétrico teve há mais de um século… Não seria honesto de minha parte afirmar isso com toda a certeza.

E quais são as implicações presentes que o senhor já identifica, na pesquisa ou na indústria, por exemplo?

No futuro próximo há aplicações muito promissoras, mas que hoje ainda parecem um pouco ficção científica. São aplicações na área da nanomedicina, com máquinas moleculares que fazem medicamentos viajarem no organismo, que liberam esses medicamentos diante de um alvo preciso, como uma célula maligna, ou de uma infecção. Uma outra área é a de robôs, de pequenos, minirobôs, que poderão se movimentar com músculos muito pequenos, moleculares. Esses robôs precisarão entrar em movimento graças a engrenagens, a rotativas que o farão avançar ou recuar. Tudo isso creio que vá acontecer. Quando eu ainda não sei. Para as aplicações reais de hoje, ainda não há grande coisa, a não ser aplicações na área de materiais especiais, filmes extremamente flexíveis que podemos dobrar e redobrar milhares de vezes e que não se quebram, porque são constituídos de anéis entrelaçados, ou seja, vínculos muito específicos. É a mesma estrutura que encontramos nas máquinas moleculares, que torna esses filmes absolutamente indestrutíveis.

Em 1971, quando o senhor defendeu sua tese, o senhor já tinha essas perspectivas em mente? Já sabia aonde queria ir ou que resultados poderia ter?

Hoje eu tenho uma visão muito clara da ciência fundamental. O que é muito menos claro, e que me apaixona muito menos do que a ciência fundamental, são as aplicações potenciais. Mas eu tenho uma visão muito clara da pesquisa fundamental na minha área. Em 1971, eu já tinha uma visão clara no que dizia respeito à ciência. Mas há sempre uma grande distância entre a ciência e suas aplicações práticas.

Estamos no início de uma nova revolução, a digital e das nanotecnologias. O senhor se considera em parte responsável, integrante dessa revolução, como pesquisador científico e desenvolvedor de novas tecnologias?

Sim, digamos que me considero, a mim e a minha equipe, como uma parte integrante dessa revolução. Não necessariamente no aspecto tecnológico, mas no aspecto conceitual e no científico. Quanto à tecnologia, como eu disse, há sempre uma distância grande em relação à ciência fundamental. A tecnologia nasce da ciência fundamental, é produzida por ela. Mas a distância é grande.

O senhor se aposenta agora na França, mas não abandona a pesquisa. Por que e com que objetivo?

Meus objetivos científicos? Ah, agora são objetivos limitados. É mais no sentido de dar conferências, de debater com jovens pesquisadores e jovens professores, mais como um velho consultor, não como alguém que vá começar projetos novos. Projetos muito novos eu iniciei há longo tempo, e agora eu creio ter feito minha carreira científica quase inteiramente.