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Sobreviventes de Brumadinho relatam dor e resiliência diante da tragédia

‘NÃO É VONTADE DE DEUS, MAS DA GANÂNCIA’

Em dez anos vivendo em Brumadinho, o professor Jorge Rasuck, de 48 anos, tinha se acostumado com a vida tranquila da cidade do interior. Como gerente de banco e professor universitário, dedicava parte do seu tempo também a ser diácono da Igreja Católica, responsável pelas exéquias – cerimônias fúnebres – e fazia no máximo um enterro por mês. Desde que a barragem da Vale se rompeu, porém, já participou de 25.

“Não dá nem para fazer velório, só recomendo a Deus a alma das pessoas e já temos de enterrar”, relata.

Rasuck e muitos religiosos também têm feito visitas frequentes às famílias das vítimas para dar consolo. Só ele já visitou mais de cem casas, mas a demanda por um ouvido, um abraço, uma palavra amiga está em toda a cidade.

“Na faculdade, perdemos alunos, ex-alunos. Só em uma turma se foi um aluno, o pai de outro e os tios de outros dois. Batizei há três meses um bebê cuja mãe está desaparecida. Fui a casas que perderam três, quatro familiares. Uma senhora que perdeu três netos, um de cada filho. Uma mãe que perdeu dois filhos e um genro. Cada casa de Brumadinho perdeu ao menos um conhecido”, conta.

“Às vezes rezamos, lemos trecho da Bíblia, às vezes conversamos, outras só ouvimos, vemos fotos. Tem gente que chora o tempo todo e a gente chora junto. Não tem muito o que fazer. É abraçar e dizer que essa nunca foi a vontade de Deus. É a vontade humana, da ganância, de sempre ter mais, de falta de amor ao próximo”, afirma Rasuck, ele mesmo também precisando de apoio.

“Até me afastei dessa tarefa por alguns dias. Estou com dores no corpo todo. Sonho com helicópteros, com as pessoas que ainda não foram encontradas, é um desespero. Penso se é um aviso de que vão ser achadas…”

‘A vida toda mudou’

A filha mais velha conseguiu se salvar, mas seu neto, sua caçula e seu genro, não. Entre dar apoio para Paloma ou chorar pelo netinho Heitor, de 1 ano e 6 meses, por Pâmela, de 13, e por Robson, de 26, o trabalhador rural Lucimar Ferreira da Cunha só tem se esforçado para não desabar.

“A vida toda mudou, está tudo de pernas para o ar. É só tristeza… Tem hora que a gente acha que nem vale a pena continuar. Só não acabou tudo porque temos a Paloma”, conta, quase sem força na voz.

Paloma Prates da Cunha, de 22 anos, estava em casa com o marido, Robson Máximo Gonçalves, funcionário da pousada Nova Estância, o bebê e a irmã, quando ouviu um estrondo. Teve tempo apenas de se levantar. A irmã e o filho estavam na sala, assistindo TV. Ela estava sentada ao lado do marido, na cama. De repente, tudo ficou escuro.

A jovem dona de casa foi arrastada por mais de 200 metros e acabou conseguindo emergir ao lado da pilastra do pontilhão da estrada de ferro, que também foi arrastado pela força da onda de rejeitos. Dois funcionários da Vale estavam por perto, a viram e conseguiram resgatá-la com uma corda – uma imagem dramática que acabou se tornando uma das mais marcantes da tragédia.

O corpo de Robson foi encontrado no dia seguinte e o de Pâmela, alguns dias depois. O bebê, porém, ainda não foi localizado, o que só aumenta a tristeza da família. Paloma está abatida e não quer conversar com ninguém. Ela, o pai e a mãe estão morando juntos, em uma casa que a Vale alugou, já que a de Lucimar também foi interditada após o desastre. “A gente era tudo muito unido, não sei o que vai acontecer.”

‘Ainda não caiu a ficha’

O casal de paulistanos Noeli Mendes e Leandro Oya se preparou para sair logo cedo da Pousada Nova Estância. O plano era completar na manhã daquela sexta, 25 de janeiro, a visita ao Inhotim, iniciada no dia anterior, voltar na hora do almoço e deixar a filha Laura, de 7 anos, aproveitar a piscina no restante do dia.

A pequena só falava disso e atazanou os pais para voltarem logo para a pousada. Quando estavam prontos para isso, porém, Oya sugeriu que almoçassem no Inhotim mesmo. Tinha ouvido falar bem do restaurante local e queria testá-lo. Foi o que os salvou. Na pousada localizada no Córrego do Feijão, palco da tragédia da Vale, pelo menos 12 pessoas morreram.

“Mal colocamos a comida no prato, a chef veio a nossa mesa e nos disse que uma barragem havia rompido no Córrego do Feijão. Eu não tinha consciência do que aquilo significava, não sabia que a pousada ficava bem abaixo da Vale. Só que o córrego passava quase dentro da pousada, meu marido tinha tentado pescar lá no dia anterior, a piscina ficava quase ao lado do córrego”, conta Noeli, ainda desnorteada com o que aconteceu.

Enquanto o museu era evacuado, a família foi tentar descobrir se poderia voltar à pousada para pegar as coisas, ainda sem saber que o local havia sido atingido. “A gente ainda não tinha noção da gravidade. Um tenente dos bombeiros só nos disse que não poderíamos voltar. Foi quando comecei a ler as notícias e tremi.”

Um mês depois do desastre, Noeli diz que “ainda não caiu a ficha” sobre o que aconteceu. “É tudo muito surreal. Vendo as fotos, a gente nem consegue identificar onde ficava a pousada”, diz.

Naquela manhã, ela havia tomado café com Maria de Lurdes de Costa Bueno, a Malu, ainda desaparecida, que estava hospedada na Nova Estância com o marido, Adriano Ribeiro da Silva, e os filhos dele – Luiz e Camila. Luiz saíra cedo para Belo Horizonte para buscar a namorada, Fernanda Damian de Almeida, grávida de cinco meses, que estava chegando da Austrália, onde os dois viviam. “O voo dela tinha pousado às 10 horas. Eles tinham acabado de chegar à pousada quando tudo aconteceu.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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