Dois adolescentes, de 14 e 12 anos, que moram no mesmo bairro do garoto que morreu baleado neste sábado por guardas civis metropolitanos (GCM) após fuga em um veículo em Cidade Tiradentes, zona leste, disseram ao jornal O Estado de S. Paulo que estavam no carro com o menino. A vítima tinha saído de casa sem avisar aos pais.

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“Passamos a chavinha no Chevette lá em Guaianases. Só queríamos ir pra uma quermesse e curtir, ostentar, disse o garoto mais velho, de 14 anos. O veículo, disse ele, estava estacionado na frente de uma pizzaria.

“Um motoqueiro da pizzaria viu a gente, seguiu e depois chamou os guardas. Em seguida, eles começaram a perseguir a gente”, disse o menino de 12 anos.

De acordo com os meninos, a GCM começou a atirar “em uma rua escura” e não pediram para parar nem avisaram que atirariam. “Pensei que ia morrer, que ia ser preso”, disse. De acordo com o adolescente mais velho, só os três garotos participaram do furto, sem a ajuda de adultos. Eles negaram o uso de armas. Já os guardas civis alegaram que houve troca de tiros.

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Dois disparos teriam atingido o veículo, um deles acertou o garoto de 11 anos, que ficou inconsciente na hora. “Estávamos falando e aí percebemos que ele ficou quieto do nada. Quando olhei pra trás, vi ele caído”, relatou o garoto de 14 anos.

Foi quando o rapaz, no comando do veículo, decidiu parar na rua Regresso Feliz, onde acontecia uma festa junina. “Queria encontrar um lugar pra fugir”. O menino de 12 anos disse ter se “infiltrado” no evento. Já o mais velho correu para casa. “Tinha que avisar a mãe do menino, era meu amigo”.

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Velório

A versão dos jovens foi confirmada pelo padrasto da vítima ao jornal O Estado de S. Paulo, Sandro Mendonça, de 38 anos, durante o velório do menino, no Cemitério Vila Formosa, na zona leste. “Não tinha adulto. Eram três moleques. Eles eram amigos dele. Chamaram para uma festa, mas ninguém sabia que iam roubar carro”, disse.

Mendonça relatou que o jovem costumava sair na rua todos os dias após as aulas para brincar de pipa ou jogar bola, mas que a família estava tentando deixá-lo em casa por causa das “más influências”. “Trocamos o cadeado várias vezes, mas não adianta. Ele foge”, disse. O padrasto relatou ainda que ouviu de vizinhos que o menino tinha começado a usar drogas por causa dos amigos. “Fumava maconha”.

A família só ficaria sabendo da tragédia por vizinhos. “Vieram contar que o menino foi baleado. Isso de que teve troca de tiros é mentira, eu duvido que eles tivessem alguma arma”, disse Mendonça.

A mãe da vítima, a ajudante geral Orlanda Correia Silva, de 47 anos, disse que ouviu de “testemunhas” que não havia nenhuma arma no carro dos meninos. “É um absurdo. Mataram ele. Agora o que eu quero é justiça”, afirmou.

Já o pai do garoto, Waldik Marcelino Chagas, de 37 anos, acredita que houve uma execução. “GCM tem que cuidar de patrimônio, olhar prédio depredado, não fazer perseguição. Como é que pode matar criança assim? Eles estão matando as nossas crianças. Que justiça é essa?”.

Festa

Moradores da rua em que o garoto morreu confirmaram que só viram adolescentes no carro. Eles relataram que ocorria, no local, uma festa junina tradicional, com mais de 100 pessoas. “A maior parte era criança”, contou a moradora Rafaela Cerqueira, de 25 anos.

De acordo com ela, todos os participantes da festa fugiram do local e entraram nas casas ao ver que o carro com os garotos tinha parado na esquina. “Começaram a gritar e empurrar as crianças para dentro”, disse. O evento só seria retomado por volta da meia-noite, duas horas após a fuga.

Uma enfermeira de 23 anos que mora na casa onde acontecia a festa disse ao Estado que precisou socorrer o garoto, pois os guardas teriam ficado “paralisados ao perceber o erro que tinham cometido”. “Eu vi que tinha uma criança no carro e gritei”, contou. “A porta do carro estava aberta. Vi que o menino ainda tinha sinais vitais. Eu ia chamar a ambulância porque os guardas estavam amedrontados, mas no fim um deles tirou o menino do carro”. Ela disse não ter visto nenhuma arma dentro do carro. Também não soube dizer se houve um ou mais disparos. “O som (música da festa) estava muito alto”.

Os dois garotos foram ao velório do amigo, de 11 anos, e começaram a chorar. “Muito arrependimento. Nem tive coragem de falar nada com os pais dele”, disse o mais velho.