Laycer Tomaz / Agência Câmara |
Severino entrega carta para o vice Nonô: primeiro a renunciar à presidência |
Brasília – O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou ao cargo e ao mandato parlamentar em discurso na tarde de ontem. Ele é o primeiro presidente da Câmara na História a renunciar e o quarto deputado que perde o mandato desde o início da série de escândalos, em maio deste ano. Os outros são Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Carlos Rodrigues (PL-RJ), que renunciaram, e Roberto Jefferson (PTB-RJ), cassado.
No instante em que Severino encerrava sua fala, foi ouvido um grito que partiu das galerias: "Vai embora, Severino!". Logo que assumiu a presidência da Câmara, o vice-presidente da Casa, José Thomaz Nonô (PFL-AL), mandou evacuar as galerias, por considerar impróprio o comportamento de um grupo de estudantes. Houve confusão e os seguranças da Câmara tiveram que tirar os manifestantes à força.
Severino Cavalcanti, acusado de receber propina para renovar a licença de um restaurante que funciona na Câmara, justificou a renúncia: "Estranharam minha demora em tomar a decisão de renunciar. É que o senso comum consolidou como verdade a idéia de que renúncia é confissão de culpa. Em meu caso, isso significaria admitir atos que não pratiquei e pelos quais não tenho responsabilidade. Meus acusadores não me deixaram alternativa. Optei pela renúncia porque já me sabia condenado de antemão".
E avisou: "Voltarei. O povo me absolverá. O povo pernambucano mais uma vez não me faltará". No discurso de seis páginas, que foi lido, Severino se disse perseguido por uma ‘elitezinha’ que não aceitou a democratização que diz ter promovido na Câmara. "Atraí forças antagônicas, poderosas e destruidoras, a elitezinha, essa que não quer jamais largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra, arregimentou forças na academia e na mídia e alimentou na opinião pública a versão caluniosa de um empresário que precisava da mentira para encobrir as dívidas crescentes de seus restaurantes", afirmou.
Severino repetiu que as acusações contra ele são inconsistentes, falsas e mentirosas e que vai comprovar isso nos tribunais. "Resistirei, jamais fui acusado de nada, nenhuma denúncia, não vou, portanto, agora, curvar-me à pressão dos poderosos", garantiu. No discurso, Severino lembrou sua origem humilde e citou trecho da obra de escritor Euclides da Cunha segundo a qual o "sertanejo é antes de tudo um forte". Severino disse que só pôde concluir o primeiro grau porque precisava trabalhava e ajudar na educação das quatro irmãs e lembrou que foi para São Paulo, onde conseguiu se estabelecer com um próspero comerciante.
Severino afirmou ainda ter empobrecido na política. E se emocionou ao citar a mulher, Amélia Cavalcanti: "O político levou o bem-sucedido comerciante à bancarrota e arrastou na correnteza também o patrimônio de Catharina Amélia, uma mulher rica antes de casar-se com um comerciante que tomou a decisão de assumir a política como vocação e como destino. Senhores e senhoras, diante de tantas falsas acusações, falo a verdade: Severino Cavalcanti empobreceu com a política".
Severino disse que deixa a Câmara como político endividado e que não tem aposentadoria, porque sacou o saldo de sua contribuição previdenciária na Câmara para pagar dívidas de campanha. "Deixo a Câmara como entrei", discursou. Publicada a renúncia de Severino Cavalcanti, a Câmara terá prazo de cinco sessões para marcar nova eleição para a escolha do presidente da Casa.
Procurador pede a quebra de sigilos
Brasília – O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encaminhou ontem ao Supremo Tribunal Federal o inquérito do "mensalinho", com pedido de quebra dos sigilos bancário e telefônico de Severino Cavalcanti, e do empresário Sebastião Buani, dono do restaurante Fiorella, que atendia a Câmara. No seu parecer, o procurador pede também que seja realizada perícia no original do contrato no qual Severino prorroga por três anos a concessão para a exploração do restaurante na Câmara. Buani alega que pagou a Severino propinas, de cerca de R$ 120 mil, em 2002 e 2003, para obter o benefício. A perícia realizada pela Polícia Federal revelou que a assinatura no documento é de Severino, mas o laudo não pôde ser conclusivo, porque o documento era uma cópia.
Além de ter perdido o mandato parlamentar, com a sua renúncia o ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) teve outro prejuízo. Ao renunciar, ele deixou de ter, a princípio, o direito de ser investigado e julgado perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Como qualquer cidadão comum, ele terá agora de defender-se na Justiça Federal de primeira instância, pois ex-deputado não tem o benefício do foro privilegiado. No entanto, a defesa poderá alegar que o caso tem de permanecer no STF porque, nas investigações, houve referência a outro deputado, Gonzaga Patriota (PSB-PE), que, como parlamentar, tem foro no tribunal.
Na manhã de ontem, horas antes do discurso no qual renunciou ao mandato, complicou-se a situação judicial do ex-parlamentar. Isso porque o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, pediu ao ministro Gilmar Mendes, do STF, que abra, formalmente, um inquérito para investigar se o ex-presidente da Câmara recebeu "mensalinho" do empresário do ramo de restaurantes Sebastião Buani.
Apesar da esperada renúncia do presidente da Câmara, Souza tomou as providências porque estava com o inquérito nas mãos. Segundo o procurador, com a renúncia, o caso deverá ser transferido para a Justiça Federal de primeira instância com o objetivo de apurar suspeitas de envolvimento no recebimento da mesada. Essa transferência estaria de acordo com decisão recente do STF que derrubou uma lei que assegurava o foro privilegiado para ex-autoridades.
No entanto, para tentar manter o inquérito no STF, a defesa do ex-deputado poderá argumentar que Patriota, que tem direito ao foro privilegiado, teria sido mencionado nas investigações. Essas referências ao parlamentar foram confirmadas pela Procuradoria-Geral da República. O deputado teria redigido um texto assinado por Severino que prometia a prorrogação do contrato entre a Câmara e Buani para exploração de um dos restaurantes da Casa.
Cavalcanti foi o todo poderoso por 218 dias
Brasília – O pedido de renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE) conclui um capítulo da história política do parlamento brasileiro. O pepista foi eleito com 300 votos para a presidência da Câmara dos Deputados no dia 15 de fevereiro, aproveitando-se de uma fratura no Partido dos Trabalhadores (PT), então a maior bancada da Câmara, que pela tradição histórica teria o privilégio de eleger o presidente da Casa, e da articulação feita pelos principais partidos de oposição (PSDB e o PFL). Sua permanência no posto mais alto da Câmara durou 218 dias.
Com 74 anos, Severino iniciou sua carreira política como prefeito de João Alfredo, interior de Pernambuco. Nos últimos 40 anos exerceu cargos eletivos. Foi deputado estadual por 28 anos e deputado federal nos últimos dez. Na Câmara dos Deputados, antes de ser eleito presidente, em um processo no qual derrotou os petistas Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (MG), ocupou a segunda vice-presidência e a Corregedoria por duas vezes.
Sua queda está ligada ao período em que ocupou a primeira-secretaria da Casa, entre 2001 e 2002, quando o presidente da instituição era o atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Teria sido nessa época que, conforme acusa o empresário Sebastião Buani, dono do restaurante Fiorella, que fica dentro de um dos anexos da Câmara dos Deputados, Severino teria começado a cobrar propinas mensais de R$ 10 mil em troca da renovação do contrato do empresário com a Casa.
Em dez anos de Câmara, Severino apresentou alguns projetos, entre eles o que proíbe a exibição de cenas de sexo e nudez na televisão no horário das 6 horas às 22 horas e o que acaba com a imunidade parlamentar para crimes comuns. Conhecido como Rei do Baixo Clero, por sua proximidade com o grupo de parlamentares que possuem menos expressão política na Câmara dos Deputados, o pepista se elegeu para presidente com uma plataforma que incluia promessa de aumento salarial para os deputados.