Sete meses depois do alerta e sem nenhuma medida adotada, o Ministério da Saúde retoma a discussão sobre o elevado número de mortes por chikungunya no Brasil. Dentro de duas semanas, especialistas de vários Estados devem se encontrar em Brasília para tentar decifrar as razões que levam a infecção, provocada por um vírus transmitido pela picada do Aedes aegypti, a causar tantas mortes. Até agora, foram confirmados 120 óbitos pela doença. O número pode ser muito maior do que a estatística oficial. A confirmação de casos suspeitos é lenta, em virtude das dificuldades enfrentadas pelos laboratórios oficiais.

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Embora importante, a discussão convocada pelo ministério é considerada tardia. Um encontro semelhante foi feito em abril. Na época, foi reconhecida a necessidade de se estudar os casos até então reunidos, identificar os fatores de maior risco para o agravamento das infecções e, a partir daí, fazer uma espécie de manual voltado para profissionais de saúde. Às vésperas do verão, período de maior risco de epidemia, nada foi feito.

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“Saímos do primeiro encontro motivados. Mas vieram as mudanças políticas, alterações de equipe, o assunto foi esquecido, nada avançou”, disse o infectologista Carlos Brito. Agora, avalia, será difícil que descobertas sejam feitas a tempo de se reduzir, por exemplo, erros no tratamento de pacientes.

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Somente em Pernambuco, foram notificados este ano 354 casos suspeitos de mortes de pacientes com arboviroses (grupo de doenças que inclui dengue, chikungunya e zika). Desse total, 134 foram até agora identificadas: 62 por chikungunya e 37, por dengue e 35 apresentaram resultados positivos para os dois vírus. “Esse é o maior número de mortes relacionadas a arboviroses no Estado desde que os dados começaram a ser contabilizados”, afirmou Brito. Nos últimos 20 anos, disse, a maior marca encontrada no Estado foi de 37 mortes por dengue. O infectologista não hesita em atribuir a marca deste ano à chikungunya. “Não se via isso no passado.”

A Secretaria de Estado de Pernambuco afirma que, além do diagnóstico laboratorial, é preciso uma investigação de cada caso, para se assegurar que a arbovirose foi de fato o motivo da morte do paciente e não um cofator.

A preocupação aumenta quando se leva em consideração o risco da doença no País. Este ano, a chikungunya provocou epidemia no Nordeste, com incidência de 368 casos a cada 100 mil habitantes. A maior concentração ocorreu no Rio Grande do Norte: 702 casos a cada 100 mil habitantes. Epidemiologistas temem que essa onda agora se replique em outras regiões do País.

Brito explica que a chikungunya é conhecida por provocar epidemias explosivas. Foi o que ocorreu, por exemplo, na América Central em 2013 e 2014. No Brasil, por razões desconhecidas, a transmissão da doença demorou a ganhar força. Os primeiros casos foram registrados há dois anos, mas foi somente este ano que a circulação do vírus ganhou todo o País. “Ela se espalha com muito mais facilidade do que dengue e zika”, disse. A estimativa, disse, é de que, numa epidemia, a doença possa atingir até 30% da população de uma área afetada. “Daí a preocupação. Se a mortalidade for de um caso a cada mil habitantes…”

Além da mortalidade, a chikungunya preocupa por causa das limitações aos pacientes e, também, pela infecção nas gestantes. Na população em geral, a doença pode se tornar crônica, levando a dores incapacitantes nas articulações. “Há casos em que o paciente, depois de um período de melhora, volta a ter dores muito fortes – fazendo com que ele tenha de se afastar do trabalho e de atividades rotineiras”, completou.

Há também relatos de a doença ser transmitida da gestante para o feto. O processo, no entanto, ocorre nos últimos meses da gestação. “Ela pode provocar efeitos gravíssimos. Levando à morte do bebê logo depois do parto”, afirma Brito.