Foi em fevereiro que o Circo Imperial do Brasil levantou a sua lona no povoado Entroncamento de Sátiro Dias, em Inhambupe, cidade de 40 mil habitantes do sertão baiano, a 169 km de Salvador.

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A estreia foi uma festa. Com casa cheia, cerca de 400 espectadores se espremiam sob a lona sentados em arquibancadas de madeira. Os palhaços fizeram graça. Os malabaristas arrancaram palmas. Os trapezistas voaram sob o picadeiro.

Quatro meses depois, em uma tarde quente do primeiro dia de abril, em silêncio, os nós foram desatados, as cordas afrouxadas e lona paulatinamente tombou no chão.

O circo foi desmontado, mas não seguiu viagem: não obteve autorização das prefeituras de cidades vizinhas para montar seu picadeiro. Em meio ao avanço do novo coronavírus no interior da Bahia, ninguém quis saber de forasteiros desembarcando em suas cidades.

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A pandemia deixou em frangalhos as artes circenses, que tradicionalmente são um dos elos mais frágeis da indústria do entretenimento. Os artistas tiveram recorrer às prefeituras para receber doações de cestas básicas.

O pomposo nome Circo Imperial do Brasil esconde uma realidade de dificuldades. Erguido em um terreno ermo às margens da BA-233, em Inhambupe, o circo é capitaneado pelo palhaço, trapezista e equilibrista Josemar dos Santos, 42.

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A equipe é formada por 13 pessoas, oito delas da própria família, incluindo a pequena Iviny, de três anos, que já faz números de dança nos espetáculos. Um ônibus serve de morada para a família e um caminhão serve de apoio para transportar os equipamentos.

Josemar, que diz já trabalhado em espetáculos no Beto Carrero World e no Circo Marcos Frota, montou o seu próprio circo há 12 anos. Desde então, vive de cidade em cidade. Dos seus três filhos mais novos, um nasceu em Natal (RN), outro em Aracaju (SE) e a terceira em Alagoinhas (BA).

Com a determinação de isolamento social por causa do novo coronavírus, o circo está sem espetáculos há cerca de um mês por determinação da prefeitura e a família perdeu a sua única fonte de renda –a bilheteria dos espetáculos, que costumavam acontecer cinco vezes por semana.

Desde então, Josemar já tentou levar o circo para outras cidades do norte baiano. Mas, diante do avanço da pandemia, a resposta das prefeituras tem sido sempre negativa,

“A única solução é ficar aqui e esperar. Se eu conseguir alimentar a minha família, já está bom demais”, afirma o palhaço-equilibrista-trapezista.

Atuando na informalidade, ele se cadastrou para tentar obter o benefício de R$ 600 concedido pelo governo federal por três meses aos trabalhadores sem carteira assinada.

A família recebeu a promessa da prefeitura local de receber cestas básicas com alimentos. Mas a prefeitura enfrenta um cenário de recursos escassos –a cidade tem menos de 10% da população ocupada em empregos formais e 95% da arrecadação de fontes externas.

A família de Josemar está cumprindo isolamento social e só sai do terreno do circo para comprar comida em armazéns e coletar água.

Sem ligação com o sistema de abastecimento, os artistas dependem de vizinhos para conseguir baldes de água pera tomar banho, cozinhar e, principalmente, lavar as mãos para evitar o contágio da doença.

“Essa é um de nossas maiores dificuldades. Tenho que pegar com os vizinhos, um pouquinho com um, um pouquinho com outro. E assim vamos levando”, afirma Isneide Batista dos Santos, 22, mulher de Josemar.

Artistas de circo vivem situação semelhante em outras cidades de Nordeste, incluindo capitais. Em Natal, a prefeitura determinou a distribuição de cestas básicas para as famílias dos artistas de circo.

“Estávamos sem ter como colocar o pão nas mesas de nossas casas”, afirmou o presidente da Associação Potiguar dos Artistas de Circo, Luciano Roberto, o palhaço Cebolinha. Ele destacou a importância do apoio diante da situação de desamparo dos artistas.

O mesmo aconteceu em cidades como Campina Grande (PB) e Xique-Xique (BA). Nesta última, o Circo Irmãos Dayllon chegou na cidade no início de março com grande estardalhaço. Chegaram a fazer as primeiras apresentações, mas logos tiveram que se desmobilizar diante do decreto da prefeitura que proibiu aglomerações.

“Eles se viram em uma situação inusitada porque não podiam fazer apresentações aqui nem podiam ir para outra cidade. Ficaram ilhados”, afirma o prefeito de Xique-Xique, Reinaldo Braga Filho (MDB).

Os artistas receberam alimentos e material de higiene da prefeitura e também doações da comunidade após fazerem uma campanha em rádios locais.

Em Inhambupe, enquanto aguarda o fim da quarentena, Josemar diz não ver a hora de reerguer a lona e montar o picadeiro. Quer voltar a equilibrar objetos no rosto, voar de um trapézio para o outro, colocar a maquiagem de palhaço e gritar para o público: “Hoje tem palhaçada sim, senhor!”.