Sentado em uma cadeira de praia sob o tempo nublado, o comerciante argentino Daniel Urdi, de 32 anos, fumava um cigarro de palha na manhã de hoje (10), calçando chinelo de dedo sobre o concreto do Terreirão do Samba, no centro do Rio. Depois de dois dias dirigindo seu carro utilitário esportivo, ele chegou de Salta, no Norte da Argentina, puxando um trailer onde estão cinco amigos. O carro é mais um entre os 140 que a RioTur acomodou no espaço de eventos.
A área, porém, começa a não dar conta da multidão que chega à cidade para a final do Mundial no domingo (13). De acordo com a Secretaria Estadual de Turismo, 100 mil argentinos estarão no estado. Desde a manhã de hoje, os primeiros veículos já começam a ser levados para o Sambódromo, e o governo pediu às prefeituras de Petrópolis, Niterói e Cabo Frio que se organizem para ajudar na recepção.
Protegendo os olhos da luz, Daniel aponta para os amigos em uma mesa de café da manhã montada ao lado do trailer e pede: “Fale com eles. Estou de ressaca pela festa de ontem (9). Depois da Fan Fest, ainda teve festa aqui com música e violão”. Mas é só falar da final que ele se anima e continua no assunto: “Seria melhor se fosse contra o Brasil. Seria uma final da América do Sul. Mas vocês não tinham time”, zomba o argentino, que afirma estar vivendo o melhor inverno de sua vida e garante: “Vamos vingar todos os latino-americanos”.
Além dos carros e trailers, o Terreirão do Samba foi tomado por barracas de acampamento, onde os argentinos recuperam as energias para passear pela cidade e voltar à Fan Fest. Amarrando uma canga estampada com um coração ao lado da palavra Rio, a estudante de comunicação Sol Rodriguez, de 21 anos, se preparava para ir à orla mesmo com tempo ruim. Ao saber que 100 mil argentinos devem assistir ao jogo no Rio, ela brinca às gargalhadas: “Será um desastre. Somos muito bagunceiros e nos fazemos notar. Ontem, a polícia teve que nos tirar da frente do Copacabana Palace”.
Com filas longas, ela conta que tomar banho tem sido difícil, mas que a convivência é boa: “Aqui é muito tranquilo. Às vezes, tem algum distúrbio, mas está tudo bem”, diz a estudante, que veio de Pergamino com o pai, a madrasta e um irmão.
O estudante de desenho industrial Leo Rodriguez, de Córdoba, diz que apesar da superlotação, o Terreirão está melhor agora que no início da Copa: “Antes, tínhamos que dividir o espaço com chilenos e colombianos”, diz ele, que tinha acabado de comer um pão com leite e achocolatado no café da manhã. A cara amassada e o cabelo bagunçado denunciavam o cansaço: “Ontem foi uma loucura. Todo mundo cantando, muito contente. Ficamos tão cansados que não aguentamos festejar até depois das 3h”, conta o argentino, que espera que os brasileiros não se aborreçam com a festa dos compatriotas no Rio: “Até agora está indo tudo bem. Acho que vai continuar assim”.
Com a cabeça raspada como o jogador Mascherano, Christian Corral, de 25 anos, tomava conta dos amigos que cumpriam a promessa de passar a máquina zero se o país chegasse à final. Só um contratempo interrompeu os planos: o fim da bateria da máquina de cortar cabelo. Enquanto o grupo pensava em uma solução, o argentino que ficou com a cabeça cheia de falhas pegou um prestobarba e foi para o banheiro terminar o serviço na pia, usando o celular de um compatriota que conheceu por lá mesmo como espelho.
O entra e sai no banheiro deixava o chão imundo, e a fila dos sanitários era uma constante. Após isolar uma parte para limpá-la, a auxiliar de limpeza Cristiane Graça, de 35 anos, esfregava o chão. Um grupo acompanhava pacientemente para poder usar a parte limpa, mas, quando a reportagem foi falar com a faxineira, mostrou a ansiedade: “Amigo, deixa ela limpar para a gente poder usar”, pediu um argentino. Depois de ouvir que dava para limpar e falar ao mesmo tempo, ele esperou. “Vou te falar que um dia de samba aqui dá menos trabalho. Eles não ligam muito para nada. Lavam louça e cabelo na pia. Não têm muito capricho”, falou rindo a faxineira, enquanto os argentinos tentavam entender seu sotaque.
Em um dos quiosques que abriu mais cedo no Terreirão, cartazes expunham o cardápio em espanhol: Hamburguesa con papa frita e Longaniza com papa frita (hambúrguer e linguiça com batata frita).
Segundo a brasileira Daniele Mendes, que trabalha no comércio da família desde cedo as vendas não vão tão bem: “Os chilenos compravam mais. Estamos vendendo muito menos agora, porque eles compram tudo lá fora ou trazem nos ônibus”, diz ela, que elogia os turistas: “São muito educados e nos tratam muito bem. Entre eles, sempre tem briga, mas são ótimos com a gente”.
Enquanto conversava com a Agência Brasil, Daniele atendeu a um argentino que sabia poucas palavras em português: “Tem ovo?”. Surpresa, ela pergunta: “Ovo? Tem, sim. Quer como?”. E o estrangeiro responde: “Cru. Para eu mesmo cozinhar. Quanto custa?”. Pasma, ela confirma que tem, mas que não sabia quanto cobrar, porque nunca tinha vendido um. Depois de definir o valor em R$ 0,50, ela ouve um obrigado do argentino, que vai embora sem comprar nada. “Está vendo?”, pergunta ela, rindo.