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Rosely Sayão: ‘Pais têm receio de assumir o papel de careta da família’

Formada em Psicologia há mais de 40 anos, Rosely Sayão já dialogou com diferentes gerações de pais sobre a educação dos filhos. Ela não hesita em avaliar que hoje está mais difícil. Pesam sobre os adultos mais exigências de performance – que transferem às crianças – e há dificuldades em pôr limites, sem cair no exagero de regras. Em meio a isso, está a tecnologia, mensageira de um volume de informações difícil de processar. Se os desafios aumentaram, cresce a necessidade de pensá-los. No próximo domingo, Rosely estreia uma coluna quinzenal no Estado, um verdadeiro convite para refletir sobre a vida em família e as relações com os filhos.

A composição das famílias mudou e a tecnologia chegou para ficar. Está mais difícil educar?

Hoje é muito mais difícil educar os filhos. A própria palavra educar não era usada antes pelos pais: era “criar”, que significava tomar cuidados necessários para que o filho crescesse. Educar tem uma complexidade que levou pais e mães a quase se profissionalizar. Ao passar por muitas transformações de mundo, a família foi sofrendo interferências. Os adultos deixaram de ocupar o lugar central na família e os filhos é que passaram a ocupá-lo. Outra questão é que é preciso ser feliz a qualquer custo. Não posso educar, dizer não. Cerco de cuidados para que seja feliz e isso impede a boa educação.

Falta a adultos colocar limites?

Os pais têm receio de assumir o papel de “careta” da família. Não querendo ser “caretas”, ultrapassados, querem ser mais próximos dos filhos, quase para trocar confidências. Fica difícil determinar limites e, quando determinam, são exagerados. Há regra em demasia na vida das crianças.

Sobre o fato de o pai ter medo de ser “careta”, qual a origem?

No nosso valor sociocultural de que é preciso ser jovem para sempre. Se o pai e a mãe assumem seu papel, é como se estivessem envelhecendo, e isso não é bom para eles.

As crianças têm celulares, tablets. Os pais lidam bem com esses recursos?

Tenho visto dificuldades. Oferecer objeto tecnológico é legal para os pais porque a criança fica hipnotizada. Os pais estão com pressa. Ao mesmo tempo, dizem que é inevitável a tecnologia. Sim, assim como é inevitável que os filhos vão dirigir carros, mas na época certa. Quanto mais tarde, melhor. Tem muito mundo real para a criança descobrir.

É importante que as crianças tenham a vivência do concreto?

Para conseguir lidar bem com o virtual, é preciso conhecer o real e saber fazer a transposição. Vejo crianças com ausência de relacionamento com outras que têm canal no YouTube. É difícil porque elas não têm muitos relacionamentos para entender o que chama a atenção, o que pode magoar.

Vivemos um momento de desconfiança em relação à escola. Qual a importância dela?

Antes de ir à escola, a criança tem contato com alguns espaços públicos, mas sempre mediado pela família. As crianças crescem e têm de assumir seu jeito de estar no espaço público e a escola é fundamental. Se queremos que os mais novos evoluam e melhorem esse mundo, não podemos restringir a escola em seus ensinamentos. Eles têm o direito de conhecer o lado B que a família não quer saber. É isso que dá liberdade, a possibilidade de fazer escolhas.

Chamam a atenção questões como depressão, bullying e até automutilação entre crianças. Esses problemas estão crescendo ou tem se falado mais sobre? Partem da dificuldade dos pais?

As crianças têm trânsito absolutamente livre no mundo adulto, mas ele, com todas suas mazelas, é um tanto quanto incompreensível para as crianças. Como pode um pai matar o filho? Como um pai mata a mãe? Não têm estratégia pessoal para fazer frente a uma informação dessas. São coisas que caem sobre os ombros das crianças e, na impossibilidade de lidar bem com isso, transformam em sintomas. Além disso, tem a pressão desmedida da sociedade sobre os pais e dos pais sobre os filhos por uma boa performance.

É preciso proteger as crianças dessas informações?

É impossível impedir o acesso. O que podemos fazer é minimizar, explicar de modo simples. E tentar oferecer o melhor da infância possível. Mais idas às praças para que tenha contato com natureza. E deixar brincar, na areia, no barro, na água.

Fala-se do diálogo com crianças, mas como fazer isso?

Todo mundo confunde diálogo com persuasão. Não se trata de convencer. O diálogo com os filhos é mais escuta do que fala. Diálogo é discutir a partir do ponto de vista deles.

A senhora fala sobre um excesso de informações, perturbando a vivência dos pais. O que planeja para as colunas? Será espaço para mais dados ou reflexões?

Mais reflexões. A educação dos filhos acontece no momento em que estão dormindo ou sossegados, que é quando penso. Quero promover o espaço de pensar. Será que não estou exagerando no que quero para meu filho? Estou querendo demais por ele? Sendo muito severa ou não estou ocupando plenamente o lugar de pai? Quero questionar o que temos exigido dos mais novos, refletir sobre a falta de companhia adulta que adolescentes sentem. Vamos falar sobre relacionamento familiar, considerando a família maior, ascendentes e descendentes. E vou questionar muito a escola. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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