Com uma vasta experiência em resolver conflitos, como o de ruralistas e ambientalistas, o biólogo Roberto Waack assumiu talvez o maior desafio de sua carreira: lidar com o “um ano depois” do maior acidente ambiental do Brasil, o rompimento da barragem de lama da Samarco. Waack, de 56 anos, é o presidente da Fundação Renova, organização independente criada para implementar os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem.

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O acidente, que completa um ano em 5 de novembro, deixou 18 mortos, um desaparecido e um rastro de destruição de Mariana (MG), onde ficava a barragem do Fundão, até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo. A fundação vai gerir R$ 11 bilhões com a missão de recuperar e compensar comunidades e recursos ambientais nos próximos dez anos. Veja a seguir trechos da entrevista.

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A Fundação Renova assume o trabalho de compensação e restauração quase um ano depois do acidente com quais desafios?

Temos três agendas prioritárias. Uma é emergencial: tem de tirar a lama do rio, terminar a contenção, construir novos diques, continuar a dragagem. Cerca de 1/4 da lama desceu o rio, mas 3/4 ainda estão na região, a até 100 km do local de origem. Tem de dar um destino para ela. Essa é uma frente de engenharia, de curto prazo, que termina no meio do ano que vem. A segunda é uma frente de inteligência, que é como lidar com a restauração do rio inteiro, recompor pesca, etc. É um campo de fronteira de conhecimento sobre como se restaura, e de conexão com a sociedade que mora ali, com o agronegócio, com o pequeno e o médio produtor, que sempre teve problema em atender o Código Florestal e agora se questiona: ‘só porque teve a ruptura da barragem agora eu vou ter de fazer isso?’. O terceiro grande desafio é o de governança. São 39 municípios, dois Estados, a União, o Ministério Público, os tribunais de contas, a Agência Nacional de Águas. Todo mundo interessado em soluções, com a expectativa de usar esse recurso, que não pode ser mal gasto.

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Qual deles é o mais difícil?

Não me assusta o primeiro, acho que a engenharia vai dar conta. O desafio da governança é monstruoso e acho que é o mais difícil. Mas se der certo vai ser um exemplo emblemático de restauração não só de um desastre causado pelo homem, mas para desastres ambientais que vêm pela frente, que a gente sabe que vai ter. Por exemplo, se depois do acidente de Petrópolis e Teresópolis (deslizamentos de terra após fortes chuvas em 2011) tivesse tido um modelo de gestão, não teria acontecido o que aconteceu, que o dinheiro sumiu e hoje continua do mesmo jeito que era antes do acidente. O desafio da restauração é parecido com o que estamos trabalhando na Coalizão (Brasil, Clima, Florestas e Sociedade, da qual Waack é um dos líderes e reúne mais de 130 organizações da sociedade civil e do setor produtivo). Tem a ver com conciliar, ouvir, envolver o agronegócio, exatamente o desafio da Coalizão, com a diferença que tem o recurso, que é uma diferença substancial. O produtor só vai fazer isso se perceber que vale a pena do ponto de vista econômico. Ter uma organização com um recurso que não existe hoje no Brasil para cumprir a meta de recompor 12 milhões de hectares e a gente ainda não conseguiu convencer o mainstream econômico de que vale a pena investir nisso. Aí tem a possibilidade de alavancar uma agenda que vai além do Rio Doce, que é uma agenda nacional.

R$ 11 bilhões serão suficientes para tantas ações?

É o orçamento que temos. A fundação foi criada para garantir que esse recurso vai ser alocado da maneira mais eficiente possível do ponto de vista de custo, de prazo e de tecnologias usadas. Usar tecnologias mais avançadas, sustentáveis, é uma das regras do jogo. Então, se é para fazer uma cidadezinha nova, vamos fazê-la com o que tem de mais moderno em termos de baixo carbono? Que seja autossuficiente em geração de energia, com todo o sistema de mobilidade, tratamento de efluente, coleta de água. Essa é a oportunidade.

A Samarco teve de adotar várias ações. Qual é a situação que vocês encontraram?

O esforço da Samarco foi emergencial, e emergencial pressupõe coisas que vão dar certo e coisas que não. A partir desse momento, a fundação vai começar a ajustar essas coisas, absorver parte importante dessas ações começar a dar o tom de longo de prazo. Por exemplo, as indenizações. Foi feito um cadastro emergencial, com 8 mil pessoas, foi criado um cartão e essas pessoas começaram a receber o dinheiro, imediatamente. Esse cadastro não é perfeito. Já estamos vendo isso. Muita gente está lá e não devia e há muita gente que devia estar lá e não está. Devemos chegar a 20 mil cadastrados. A questão dos reassentamentos está avançando, a relocalização da cidade já foi decidida, com participação das pessoas. Agora tem uma discussão de como vai ser a cidade, onde vai ser a igreja, a praça, a escola, isso tudo está sendo discutido.

Nas semanas após o acidente, centenas, talvez milhares de pessoas comuns, pequenas ONGs foram para a região do Rio Doce dispostas a fazer alguma coisa. A fundação pretende integrar essa mobilização de algum modo?

Acho que toda a história da ruptura da barragem tem um quê de gatilho, de mobilização, de as pessoas falarem: preciso fazer alguma coisa. E isso vai desde jogar pedra na Samarco, na Vale, ou ir lá ajudar a tirar lama, alguma coisa as pessoas sentiram que precisavam fazer. Acho que as pessoas não conseguem mais ignorar. Acho que integrar isso é fundamental. O centro é o indivíduo, a pessoa que sofreu, depois vem o entorno dele, as pequenas organizações que o cercam, como a associação de bairro, a associação de pescador, onde ele participa. O terceiro são as organizações da sociedade civil que estejam envolvidas pela geração de conhecimento.

Quem é

Roberto Waack é biólogo e mestre em economia. Fundador da Amata (empresa de madeira certificada), foi membro dos conselhos do Forest Stewardship Council (FSC), do WWF e do Global Reporting Initiative (GRI) e de empresas dos setores florestal e de agronegócios. É uma das lideranças da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura e presidente da Fundação Renova, que cuidará da restauração do Vale do Rio Doce. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.