São Paulo – A principal incógnita do referendo é o dia seguinte. Vencendo o sim ou não, os bandidos ainda vão agir, as pessoas continuarão com medo de assaltos e o problema da violência no Brasil vai permanecer grave. Se é assim, por que um referendo?

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"O que estamos decidindo é se vamos tirar ou não uma folha de louro da feijoada", diz o coronel José Vicente da Silva Filho, um especialista de segurança. Para o coronel, os eleitores do sim, como ele próprio, votarão com ceticismo, conscientes de que sua escolha ajuda na redução da violência, mas é um detalhe se comparado com outras medidas. Como a folha de louro.

José Vicente participou de uma conversa de quase três horas com o jornalista Reinaldo Azevedo, diretor da revista Primeira Leitura e eleitor do não. Mesmo em campos opostos, os dois chegam às urnas com mais pontos em comum do que contraditórios. Querem distância da bancada da bala e dos discursos da turma do "paz e amor".

Ambos criticam os R$ 270 milhões gastos para a realização do referendo, que representam 12 vezes mais que o orçamento executado neste ano para o Fundo Nacional de Segurança Pública. O fundo é um mecanismo de distribuição de recursos para programas estaduais e municipais de segurança. "Se tivéssemos investido R$ 270 milhões em iluminação pública, obteríamos efeitos sobre a criminalidade maiores que o referendo", diz o jornalista.

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Os dois preferem aprofundar discussões que passaram longe das campanhas do sim e do não, que muitas vezes optaram por satanizar um lado ou outro. As diferenças entre eles, como mostra a conversa, são sutis. A ponderação que marcou o debate pode ajudar o eleitor ainda indeciso a escolher de maneira menos apaixonada o seu voto. Eles acreditam que a sociedade não é só preto ou branco, como afirma o coronel.

Razões do voto

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REINALDO AZEVEDO – O Estado não tem o direito de dizer se posso ou não me defender. Senão daqui a pouco ele vai me dizer que não posso comer chocolate porque engorda e bacon porque entope as veias do coração e dão problema de saúde pública. O Estado não pode me proibir de reagir.

JOSÉ VICENTE – A minha preocupação é com as próximas gerações. Minha geração está deixando uma péssima herança para os jovens. Se votarmos pelo não, vamos manter rigorosamente o status quo. Não sabemos se algum governo vai tomar a decisão decente de colocar a questão da violência como prioridade. Mas diminuir o acesso a armas é uma medida que pode somar. Aquela idéia de que "o brasileiro é tão bonzinho", como dizia Kate Lyra, não é verdade. A arma para nós é mais mortal.

Perda de direitos

JOSÉ VICENTE – Não podemos achar que a arma é a melhor solução, até porque ela não é. Não vejo como um direito premente que está sendo negado, porque essa é uma aspiração de um grupo de pessoas que tem medo e acesso às armas. E quem tem medo e não pode ter acesso?

REINALDO AZEVEDO – Discordo. Estão tirando um direito à autodefesa. O que acontece se estou na minha casa, obedeci ao Márcio Thomaz Bastos, entreguei minhas armas, o sim venceu, estou proibido de comprar uma arma, e entra um bandido no meu quintal? Em circunstâncias normais poderia dar um tiro para o alto. Se o sim vencer, só me resta abrir a porta, cumprimentar o ladrão e torcer para que ele seja generoso comigo.

Medo

JOSÉ VICENTE – Habilmente, ou sem intenção, o não veio com argumentação do medo. O cidadão está em casa e ouve um ruído no quintal. Todo mundo gela. Esse grande medo se espalhou. Esses propagandistas sabem que quando mexem nesses fundamentos do inconsciente coletivo têm chance de pegar o peixe no anzol. Mas é raro, felizmente, alguém morrer em casa vítima do ladrão.

REINALDO AZEVEDO – Não é só uma questão de fundo psicológico. É fácil responder à questão do medo: com civilização, evolução da caverna. Se a polícia atuasse, tivesse um histórico de resoluções de casos, tudo bem, mas existe uma constatação clara de que não adianta, porque o Estado não vai aparecer.