As companhias aéreas são obrigadas, em tese, a seguir rigidamente o plano de manutenção previsto pelos fabricantes dos aviões. "Sempre que uma companhia recebe uma aeronave, há um plano de manutenção, semelhante ao manual de um automóvel, que a empresa precisa seguir", conta o gerente-geral de Manutenção da VEM Engenharia e Manutenção, Humberto Palha. A empresa não pode burlar esse plano. Há uma fiscalização freqüente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) em cima disso.

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Ele explica que existem cinco graus diferentes de manutenção de aeronaves de médio porte, como o Boeing 737 e o Airbus 320, que vão desde as verificações de rotina (conhecidas como trânsitos e diárias) até o desmonte do avião para revisão geral (check D). A periodicidade das manutenções é definida, na maior parte dos casos, pelo número de horas voadas. Algumas inspeções ou substituição de peças também pode ser feitas em função da idade do avião (tempo-calendário).

Trânsito

A manutenção mais freqüente é o "trânsito", uma inspeção visual que ocorre a cada pouso – normalmente um jato faz de oito a 10 vôos por dia -, feita pelo mecânico da empresa aérea de plantão no aeroporto. Esse mecânico também é responsável por realizar os serviços de manutenção não previstos, que são relatados pelos pilotos a cada vôo.

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"O mecânico sempre procura corrigir no trânsito qualquer discrepância que venha a ser relatada pelos pilotos. Quando o piloto nota alguma avaria, normalmente ele alerta o MCC (Maintenance Control Center, ou centro de controle de manutenção na siga em inglês) da companhia antes do pouso, por rádio, para que o mecânico em terra esteja preparado para repará-la", esclarece Palha.

MEL

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Se ainda assim não for possível o reparo durante o trânsito, explica o engenheiro da VEM, o mecânico segue o procedimento da fábrica da aeronave para aquela falha e consulta uma lista de equipamentos mínimos para que o vôo possa ser realizado com segurança, conhecida como MEL (Minimum Equipment List, na sigla em inglês). Se o MEL indicar que o avião pode voar sem aquele equipamento, então o mecânico libera a aeronave, mas alerta o piloto, notifica o MCC e registra a ocorrência no livro de bordo.

"Todo avião possui uma série de redundâncias, ou seja, mais de um equipamento do mesmo tipo, por questões de segurança. Se um falhar, você pode contar com o segundo ou até com um terceiro, dependendo do equipamento", explica Palha. "Normalmente é possível voar sem uma das redundâncias. A MEL prevê quais são essas situações e por quanto tempo você pode voar com aquele problema.

Foi o que aconteceu com o Airbus da TAM que acabou sofrendo um acidente em Congonhas na semana passada. O avião estava com uma indicação duvidosa de que o reversor (freio aerodinâmico) direito estaria acionado. Nesse caso, a orientação é travar o equipamento. A MEL prevê que é possível voar sem um dos reversores durante 10 dias, conforme relatou a própria TAM. "É possível porque é um equipamento que possui redundância. Mas não é rotina liberar um avião para vôo pela MEL, ou seja, apenas com os requisitos mínimos", explica o especialista em manutenção da VEM.

Restabelecer as redundâncias

Palha afirma que o ideal é sempre "restabelecer as redundâncias o mais rápido possível" para evitar que o jato sofra uma pane em um segundo equipamento do mesmo tipo e não possa prosseguir viagem. "Se ocorrer um problema em uma base (aeroporto) onde a empresa não disponha de estrutura de manutenção, necessariamente aquele avião ficará indisponível. Ninguém libera um avião fora da MEL.

O engenheiro da VEM diz ainda que, de forma geral, os pilotos não se sentem confortáveis em voar em um avião com restrições de equipamentos. "O piloto se incomoda com isso." A afirmação é confirmada por Élnio Borges. "Se eu receber um avião com seis ou sete itens na MEL, eu não saio do chão", garante o comandante.

Borges também avalia que "voar pela MEL", ou seja, adiar a realização da manutenção de algum item da aeronave, é aceitável, porém, não recomendável. "Empurrar a manutenção para o próximo aeroporto não é propriamente errado. Mas, o que num determinado momento pode não ser perigoso, num conjunto pode ser um desastre", diz, ao lembrar que um acidente não ocorre apenas por causa de um único fator.

Diária

Além do "trânsito", que ocorre a cada escala, os aviões passam ainda por outra manutenção de rotina, no fim do dia (pernoite) ou no fim da noite (diária), dependendo do horário de operação da aeronave. "No caso dos aviões grandes, que fazem vôos internacionais à noite, nós chamamos essa manutenção de diária, porque ocorre durante o dia, quando ela está parada.

A diária é uma manutenção ainda considerada leve, que pode ser feita em qualquer aeroporto, em que o mecânico checa os equipamentos do cockpit (cabine dos pilotos), os flaps das asas, além de lubrificações. Também é uma oportunidade para se consertar eventuais falhas apontadas pelos pilotos durante os vôos daquele dia e que não puderam ser solucionadas nos trânsitos.

Checks

Conforme Palha, a primeira intervenção importante em um jato ocorre quando ele completa de 600 (aviões grandes) a 1.000 horas (aviões médios) de vôo. No chamado "Check B" ocorre a troca de óleos, filtros e uma inspeção mais detalhada das turbinas com o uso do boroscópio (espécie de mangueira com uma câmera na ponta, acoplada a um monitor, para visualizar locais de difícil acesso). "É como se fizéssemos uma endoscopia dos motores", brinca o engenheiro.

O check B só pode ser realizado em aeroportos onde haja um pátio de manutenção e exige que a aeronave fique no solo entre oito e 12 horas. Palha estima que a freqüência de realização do check B – considerando um avião que voa em média 12 horas por dia – é de um mês e meio para aviões intercontinentais e de dois meses e meio para jatos de vôos domésticos.

A cada 6 a 10 mil horas de vôo, ou o equivalente a 10 checks B, é realizado o "Check C". Nessa manutenção, o avião fica até sete dias parado no pátio para que seja feita a revisão prevista no check B e também a inspeção da estrutura da fuselagem, além de melhorias da cabine, como troca de poltronas e reparos no acabamento.

O Airbus prefixo MBK, que sofreu acidente em Congonhas no dia 17 de julho, havia realizado seu segundo Check C (20 mil horas/vôo) em novembro de 2006, conforme informado pela TAM. A última revisão simples (Check B) ocorreu em 13 de junho. Até o momento do acidente, o avião contabilizava 26.320 horas de vôo.

Revisão geral

O mais importante dos checks é o D, também chamado de revisão geral. O gerente da VEM explica que nesta manutenção, que é feita a cada quatro checks C (24 a 40 mil horas de vôo), diversas partes são desmontadas e trocadas. "O avião é um casco. Nessa revisão verificamos questões como corrosão e fadiga da fuselagem." Um jato leva de cinco a sete anos para realizar um check D e precisa ficar parado cerca de um mês no hangar para essa verificação detalhada, informa o engenheiro.

A realização de Check D em várias aeronaves da TAM praticamente na mesma época teria sido a causa dos transtornos observados nos vôos da companhia no Natal de 2006, segundo declarou a presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Selma Balbino, em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Apagão Aéreo na Câmara dos Deputados, no dia 17 de junho.

"A Anac não divulgou o resultado da sua fiscalização na TAM. Mas o que nos parece é que a empresa não deve ter feito o chamado Check-D no tempo hábil, ou então juntou várias aeronaves para um período de Check-D muito próximo", disse Selma aos deputados. "Na nossa opinião, foi um erro estratégico de planejamento de manutenção de Check-D." Na ocasião, a TAM alegou que a parada simultânea de seis aviões ocorreu devido à necessidade de realizar manutenções não programadas.

O gerente de manutenção da VEM afirma que um avião não tem limite de idade. "Se você fizer todas as manutenções previstas, não há problema do ponto de vista da segurança. O que pesa, neste caso, é o custo da manutenção", observa Palha.