Quebrado sigilo de entidades ligadas ao MST

A CPI da Terra do Congresso Nacional, que examina a estrutura fundiária brasileira e o comportamento dos movimentos sociais do meio rural, aprovou a quebra dos sigilos bancário e fiscal da Associação Nacional de Cooperação Agrária (Anca) e da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab). As duas entidades – ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – estão sendo acusadas de supostos desvios de recursos públicos.

A CPI também decidiu rejeitar a quebra dos sigilos bancário e fiscal da União Democrática Ruralista. A decisão foi tomada apesar de a UDR estar sendo acusada, entre outras coisas, de utilizar recursos públicos para a compra de armas. Os integrantes da CPI também rejeitaram a quebra dos sigilos de duas entidades patronais: o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (Cnap).

Integrantes da CPI, como o deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), informaram que a quebra dos sigilos da Anca e da Concrab tinham um motivo: é que após investigação da Polícia Federal, realizada em 2000, foi constatado que os recursos repassados às entidades eram utilizados para financiar invasões de terras. Foi por esse motivo que, de acordo com os deputados, o governo de Fernando Henrique suspendeu o repasse.

Outros parlamentares estranharam, no entanto, que no ano passado o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem investigar as denúncias, tenha restabelecido o repasse das verbas federais. Juntas, segundo Lupion, as duas entidades receberam mais de R$ 6 milhões, recursos oriundos dos ministérios da Educação e do Desenvolvimento Agrário.

Audiência

O relator da CPI, deputado João Alfredo (PT-CE), a exemplo do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), e da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), defenderam a quebra dos sigilos de todas as entidades, incluindo as patronais que atuam na área rural e que apresentam indícios de irregularidades no uso de recursos públicos, a exemplo da UDR e do Senar. Mas foram voto vencido.

Na mesma reunião, a CPI aprovou também requerimento de autoria da senadora Ana Júlia, para realização de audiência pública com a presença de fazendeiros do município de Anapu (PA), acusados de invadir terras e de promover a violência na região.

Durante a audiência pública com o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), professor Plínio de Arruda Sampaio, a senadora Ana Júlia afirmou achar importante debater na CPI o papel da Justiça em relação à reforma agrária e o que pode ser feito para evitar demora no julgamento dos processos de desapropriação. A senadora sugeriu que a CPI vote requerimentos questionando aos tribunais por que determinados processos de desapropriação demoram tanto a ser solucionados.

Governo é inativo, acusa Plínio de Arruda Sampaio

Na audiência à CPI da Terra, o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Plínio de Arruda Sampaio, disse que a ocupação de terras no Brasil é causada pela inação do governo. “Neste primeiro semestre, foram assentadas apenas 10% das famílias previstas para receber terras neste ano”, disse. Ele lamentou ainda o desaparelhamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a lentidão do Poder Judiciário na desapropriação de terras e também o pagamento de indenizações exageradas quando a desapropriação ocorre.

O convidado sugeriu que a CPI crie uma comissão especial para examinar os projetos de lei existentes no Congresso sobre a reforma agrária e incentive a votação dos que agilizam esse processo. O especialista garantiu que existem no país 170 milhões de hectares de terras devolutas que podem ser utilizadas para desapropriação.

MST

Sampaio também afirmou que a acusação de que a violência no campo e as invasões são culpa do MST é descabida, sem fundamento e releva uma enorme miopia. “Os que fazem essa acusação não conseguem ver que o MST civiliza o conflito agrário, na medida em que dá esperança a uma massa rural que não vê saída para o seu problema, em que disciplina essa massa rural. Como é que se pode considerar violento um movimento que só tem assassinados? Não tem assassinatos no MST”, observou o presidente da Abra e ex-deputado federal, que é também professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para Alimentação e Agricultura. “Sem pressão camponesa, a reforma agrária não caminha”, afirmou.

O ex-deputado disse ainda que a situação do campo no Brasil “é uma bomba-relógio”. O professor destacou que os avanços tecnológicos diminuem a quantidade de empregos no campo e na cidade, ao passo que o número de habitantes continua crescendo. “A população do campo vai encontrar algum canal para sobreviver e isso terá conotações de violência. Para ver o que vai acontecer, é só olhar para a Colômbia, que está aí do lado. A elite colombiana foi obrigada a chamar tropas estrangeiras para tentar trazer ordem ao país. Nossa geração talvez consiga segurar essa bomba, mas as próximas não segurarão e seremos os culpados por isso”, afirmou.

Sampaio acredita que o único meio de evitar um futuro sombrio é dar terras a essa população carente e assim garantir meios de sobrevivência a essas pessoas. O ex-deputado afirmou que a grande concentração de terras é uma das principais causas da pobreza rural, que por sua vez gera violência tanto no campo quanto nas cidades. “Vários estudos têm demonstrado que há conexão entre concentração de propriedade da terra e pobreza”, informou.

O presidente da CPI, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), lamentou a ausência do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), também convidado para comparecer à audiência. O deputado foi ministro do Desenvolvimento Agrário e Alvaro Dias lembrou que a gestão de Jungmann vem sendo constantemente criticada durante as reuniões da CPI.

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