O ministro Humberto Costa entrega portaria para a assinatura |
Brasília – O governo pediu a quebra de patente do medicamento Kaletra, usado no tratamento da aids e atualmente importado do laboratório norte-americano Abott. Formado pela associação dos princípios ativos ritonavir e lopinavir, o medicamento é usado em todas as fases do tratamento da doença e custará R$ 257 milhões aos cofres brasileiros, até o fim de 2005. Com a decisão, o laboratório público brasileiro Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, vai produzir o medicamento genérico formado pelos dois princípios ativos.
A portaria em que o governo declara o anti-retroviral como medicamento de interesse público e adota seu licenciamento compulsório será publicado em edição extra do Diário Oficial da União, hoje. O laboratório Abott tem dez dias para contestar a decisão do governo brasileiro. O ministro da Saúde, Humberto Costa, disse que a decisão do Brasil em adotar o licenciamento compulsório, quebrando a patente do Kaletra, trará ao País uma economia de R$ 130 milhões anuais. O laboratório Farmanguinhos só comercializará o genérico dentro de um ano, prazo para a realização de testes. O governo pagará ao laboratório 3% de royalties, com base na produção do remédio. Os Estados Unidos já quebraram a patente de um medicamento contra antraz, após os ataques terroristas de 2001, e a China, do Viagra.
O Kaletra só entra internacionalmente em domínio público em 2012. Costa ressaltou que o Brasil está respaldado na legislação internacional para quebrar a patente, que é o direito de propriedade de uma empresa sobre invenções científicas. Segundo ele, o acordo de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC) permite que qualquer país faça uso da patente de um medicamento sem a autorização do dono, em circunstâncias urgentes e de interesse público. Além disso, a Declaração de Doha, de 2001, reconhece que o acordo internacional de patentes não pode se sobrepor aos interesses de saúde pública. O ministro enfatizou que a quebra de patente pode ser usada sempre que for para distribuição gratuita de medicamento, portanto, o Brasil não vai exportar o genérico do Kaletra e a produção do Farmanguinhos não será vendida.
?É a primeira vez que se quebra a patente de um medicamento no Brasil. Não estamos cometendo quebra de contrato de acordo internacional?, afirmou Costa. O ministro disse ainda que o contrato, com o Abott, para a compra do Kaletra, continua valendo até maio de 2006. ?Não quebramos o contrato, continuaremos pagando e o laboratório não fica proibido de comercializar o Kaletra no Brasil. O Abott pode até mesmo participar de licitações, ganhará se o preço for compatível?, disse o ministro.
Atualmente, o Kaletra é adquirido a US$ 1,17 a unidade, o que representa R$ 2,78 a preços de hoje. O Farmanguinhos vai produzir o genérico do Kaletra a R$ 1,61, ou US$ 0,68. Dos 170 mil brasileiros atendidos pela distribuição de medicamentos do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, 23.400 tomam o Kaletra. O anti-retroviral representa 30% do orçamento da compra de medicamentos para tratamento da aids. Em 2005, o Brasil vai gastar R$ 945 milhões na compra de anti-retrovirais.
Costa assume presidência do Conselho da Unaids
Genebra – O Brasil assume pela primeira vez a presidência do Conselho da Unaids, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que atua com programas de prevenção contra a aids. O País vai liderar os debates por um ano e, amanhã, o ministro da Saúde, Humberto Costa, desembarca em Genebra para assumir o posto. Segundo analistas, isso poderá ajudar o Brasil a influenciar nas políticas para o setor.
A primeira tarefa do País será presidir a reunião do Conselho da Unaids, entre segunda e quarta-feira. O objetivo do encontro é aprovar o primeiro documento internacional harmonizando as práticas de prevenção da aids em todo o mundo. Com um caráter político, o documento promete causar polêmica, principalmente por tocar em temas como o uso de preservativos, idéia rejeitada pelo Vaticano. O documento serviria de base para que os países adotassem medidas para prevenir a proliferação da aids.
Assessores do ministro da Saúde garantem que o Brasil está em dia com seu programa de prevenção e que não terá de fazer grandes mudanças para adotar as recomendações da Unaids. Durante o ano, o País ainda presidirá outras reuniões em Genebra com o objetivo de formular políticas de combate à aids.
Para especialistas, a presidência do Brasil terá significado político. A comunidade internacional debate, neste momento, quais devem ser os limites para a adoção de medidas de quebra de patentes para permitir o acesso aos remédios contra o vírus. O Brasil está sendo observado de perto tanto pelas empresas como pelos organismos internacionais e pelos demais governos diante de sua decisão de quebra de patentes.
Em Genebra, as entidades internacionais não escondem que estavam aguardando as reações das empresas farmacêuticas afetadas pela quebra de patentes. Já os governos dos países ricos, como os Estados Unidos, deverão usar o debate na Unaids para garantir que opção pela quebra de patentes não seja a adotada pelos demais países.