Há praticamente oito anos, Edione Ferreira, de 33 anos, vê o sol nascer por uma pequena janela. Faz 3 mil dias que ele mora em um dos leitos do Hospital Auxiliar de Suzano, na Grande São Paulo, unidade pública destinada a pacientes de longa permanência, vinculado ao Hospital das Clínicas de São Paulo. Apesar de o sol bater em seu rosto todas as manhãs, ele depende de alguém para poder sair e respirar o ar puro.
Ferreira ficou tetraplégico em agosto de 2009, aos 25 anos, após uma briga para defender um amigo. Todos estavam alcoolizados e, na discussão, Ferreira foi atingido por um disparo que atravessou o seu pescoço e o deixou sem movimento do pescoço para baixo. “Depois do tiro não lembro de mais nada, só de acordar no Hospital das Clínicas no dia seguinte, cheio de aparelhos”, relembra.
Após dois meses internado na UTI do HC, foi transferido para o Hospital Auxiliar de Suzano, onde ficam pacientes que precisam de cuidados prolongados por mais de 30 dias. A rotina de Ferreira no hospital é sempre a mesma: acorda às 7 horas, troca a fralda às 8, faz fisioterapia às 9, recebe medicação às 10 e almoça às 11. No restante do dia, se distrai no celular ou no tablet, vendo filmes e teclando com amigos, segurando pela boca uma caneta improvisada com uma borracha na ponta. Às vezes, também dedica as horas livres para pintar com a boca quadros e panos de prato que vende para conseguir renda extra. O jantar é às 17 horas e o banho às 20 horas, mas o sono não vem tão cedo. “Só pego no sono depois das 2 horas.”
Ferreira ocupa um dos 95 leitos do hospital. Recebeu alta há cerca de três anos – segundo ele e a família -, mas não conseguiu ir embora para casa por causa da falta de infraestrutura na residência da mãe, Antônia, e na rede básica de saúde da cidade em que ela mora, Jucás, no interior do Ceará. A assessoria de imprensa do HC confirma que ele tem condições de ir para casa, mas que, para sua segurança, só poderá ser liberado quando a família fizer as adaptações necessárias.
Antônia, aos 64 anos, é viúva e sobrevive com a aposentadoria de 1 salário mínimo do filho. Para recebê-lo, precisa adaptar um quarto e o banheiro para colocar a cama de hospital e um respirador mecânico, já que Ferreira depende desse tipo de ventilação para respirar por ao menos 14 horas por dia. “Há uns três anos o médico nos disse que ele poderia ir embora, mas não tínhamos condições de levá-lo no momento. Minha mãe tem reformado a casa dia após dia”, afirma Adriana, irmã de Ferreira, que mora em Fortaleza.
Ele diz que, apesar de considerar o hospital praticamente a sua casa, gostaria de partir. Hoje, recebe só a visita da filha Larissa, de 10 anos, duas vezes ao mês. A mãe não o vê há oito meses e as irmãs, há mais de dois anos.
Atraso na alta
A realidade de Ferreira reflete os resultados de pesquisa inédita sobre as internações no Hospital Auxiliar de Suzano. O estudo avaliou 822 internações do hospital entre janeiro de 2011 e dezembro de 2014 para tentar identificar por quais razões pacientes em alta seguiam no hospital e, em alguns casos, até ocupavam leito sem necessidade. O levantamento foi conduzido pelo médico Fábio Yoshito Ajimura, diretor executivo do hospital, como tema de seu doutorado na FGV.
Após analisar prontuários de pacientes, ele constatou que 56,7% dos internados que receberam alta não foram embora imediatamente. O tempo médio entre a alta e a saída do paciente foi de 19,1 dias, mas alcançou em alguns casos mais de 600 dias – índice de atraso seis vezes maior do que na Itália, por exemplo.
Entre as principais razões estavam a falta de transporte por parte de parentes (39,7%), ausência de ambulâncias (14,8%), deficiência de suporte da rede básica de saúde (12,7%), resistência dos familiares em tirar o paciente do hospital (12,4%) e adaptações/reformas em casa (9,4%). Embora a resistência da família em levar o paciente não seja o mais comum, foi o que mais causou atrasos na alta, totalizando 2.210 dias de leitos ocupados sem necessidade no período.
Segundo Ajimura, o hospital de Suzano é o único do Estado exclusivo para atendimento de pacientes que necessitam de internações prolongadas. Outros também destinam leitos para esse tipo de atendimento, mas não com exclusividade. Segundo ele, o paciente que continua no hospital sem necessidade está sujeito aos riscos do ambiente, especialmente infecções. Quando há muita resistência da família em tirar o paciente, a unidade aciona o departamento jurídico para tentar acordo. “É o último recurso, mas algumas vezes é necessário.”
Ele diz ainda que, quando o paciente tem alta e não vai embora, provoca um nó no sistema. O tempo médio de permanência no hospital, afirma, é de 220 a 230 dias, mas a direção trabalha para mudar isso. “Nosso principal problema era o transporte, por exemplo. Unificamos e otimizamos a central de remoção dos pacientes, sem ter de aumentar a quantidade de carros.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.