Quando a pistolagem chega na metrópole

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Atuação da Polícia Federal no Nordeste contra o crime de pistolagem.

Fortaleza – O crime de pistolagem, comum na região Nordeste, era historicamente identificado a duas grandes vertentes: disputas por terra ou por voto. As áreas rurais eram o palco preferencial das ações de extermínio que se acentuavam em períodos eleitorais em infindáveis acertos de contas entre famílias na corrida pelo poder. Mas levantamentos recentes no Ceará mostram números crescentes de vítimas em Fortaleza e na região metropolitana e apontam para a tendência da urbanização da pistolagem.

O levantamento que a Secretaria estadual de Direitos Humanos do PT acabou de concluir, comparando números de 2003 e 2004, reforça este dado. No ano passado, 63 pessoas foram mortas em execuções com características de pistolagem em Fortaleza e na região metropolitana contra 18 no ano anterior, um crescimento de 250%. Considerando-se apenas os crimes ocorridos na capital, foram 15 execuções em 2003 e 46 em 2004, 207% a mais. Fortaleza teve o dobro de execuções da região do Vale do Jaguaribe, localizado no centro-sul do estado, um tradicional reduto de pistolagem. Lá os crimes com essas características caíram de 28 em 2003 para 22 no ano passado. Desde que o levantamento começou a ser feito, em 1997, a incidência dos crimes com características de pistolagem aconteciam majoritariamente longe dos grandes centros urbanos. Foi no ano passado que a migração ficou bem caracterizada com 56% das execuções no interior, 33% em Fortaleza e 11% na região metropolitana. ?A pistolagem não é mais um crime rural e coronelista. Passou a ser cometido por diversos segmentos e é um instrumento que serve desde aos crimes passionais até ao acerto de contas entre integrantes de gangue?, diz o secretário de Direitos Humanos, Regino Pinho. O aumento do número de vítimas do sexo feminino é outro dado novo. Oito mulheres foram mortas em 2004 em crimes com características de pistolagem, 75% a mais do que no ano anterior, segundo o relatório.

Vítimas são surpreendidas em emboscadas

Fortaleza – Os crimes de pistolagem seguem um padrão. Os tiros se concentram na cabeça e na região do tórax e são disparados a curta distância. A vítima, sem chance de defesa, costuma ser surpreendida numa emboscada. Normalmente, os pistoleiros usam moto para facilitar a fuga e capacetes para dificultar a identificação. Segundo o relatório, dos crimes cometidos no ano passado, 47% dos matadores usavam motos e capacetes.

Mas a principal característica é a existência do mandante, que contrata o assassino mediante pagamento ou promessa de recompensa, sem necessariamente envolver dinheiro. Pode ser apenas troca de favores. Pesquisadores e estudiosos baseiam-se nessas tipificações para classificar um crime de pistolagem. Ainda assim, existem divergências que esbarram na linha tênue que pode levar a confundir latrocínio, brigas de gangues e justiça com as próprias mãos com pistolagem. É por essa razão que nunca os números apurados pela secretaria ou pelo Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV) coincidem com os da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social. ?Nossa visão é sociológica e não apenas jurídica?, explica o secretário Regino Pinho.

Relatório

Segundo o relatório da Secretaria estadual de Direitos Humanos do PT, em 2004 ocorreram 139 execuções no Ceará, sendo 76 no interior, 46 na capital e 17 na Região Metropolitana de Fortaleza. No total, 563 tiros foram disparados contra as vítimas ? 47% tinham entre 15 e 24 anos ? uma média de quatro balas por pessoa.

Fim da impunidade: mandante e executores presos

Fortaleza – Aos 29 anos, o filho mais velho de Liduína Maria Muniz Lima foi morto com um tiro na cabeça em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. Além do mandante, outras três pessoas participaram. Caminhoneiro como o pai, Willins Coelho Lima Júnior foi morto a mando de Arnor Holanda Montenegro Filho, porque teria desconfiado de negócios ilícitos do patrão, a começar pelo documento falso do veículo.

Willins foi atraído para uma cilada. Os criminosos deram fim a seus objetos pessoais e documentos. O corpo foi encontrado dois dias depois. Mas os pais, que moravam em Minas, só foram encontrá-lo no Instituto Médico-Legal um mês depois. Típico da pistolagem, o crime foi pago. O autor dos disparos teria recebido R$ 3 mil. O caso, porém, teve punição. Os quatro envolvidos foram condenados por formação de quadrilha, tráfico de drogas e homicídio qualificado. O mandante pegou 16 anos de cadeia. Deprimido com a morte do filho, o pai de Willins morreu do coração. ?O maior medo dele era de que o crime ficasse impune?, disse Liduína.

Conexão

Os casos de pistolagem no Ceará chamaram a atenção da CPI da Câmara que concluiu, no ano passado, uma investigação sobre grupos de extermínio no Nordeste. O relator, deputado Luís Couto (PT-PB), alertou na época para a existência de uma conexão interestadual interligando os crimes de pistolagem e os de roubo de carga, tráfico de drogas e armas. Segundo ele, os grupos que agem no Ceará teriam ligação estreita com os de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia, além de estados do Sul e Centro-Oeste. Couto diz que há um intercâmbio de criminosos entre Bahia e Ceará envolvidos em roubo de carga e tráfico. 

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