Nos últimos meses, o presidente Fernando Henrique Cardoso remeteu ao Senado Federal a indicação de 19 diplomatas de carreira para embaixadas do Brasil no exterior. Embora tenha deixado em aberto os 11 postos considerados chave para a política exterior do País, essa “herança” da era FHC provocou constrangimento nos bastidores do PT, que ameaça boicotar as indicações, e no próprio Itamaraty, que preferia ver seus nomes negociados com o governo eleito antes de serem encaminhados ao Senado.

Hoje, a Comissão de Relações Exteriores do Senado havia aprovado a extensão da representação do atual embaixador brasileiro na Aústria, Roberto Abdenur, que acumulará também as relações com a Eslovênia. Também passaram na sabatina do Senado as indicações do assessor internacional de FHC, Eduardo dos Santos, para a embaixada no Uruguai, e do embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Gelson da Fonseca, para o Chile.

Os outros 16 indicados, entretanto, correm o risco de perder a nomeação.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores, senador Jefferson Peres (PDT-AM), informou hoje ao Estado que poderá atrasar ou até mesmo suspender as sabatinas dos candidatos aos 16 postos caso venha a receber um comunicado da liderança do PT contra as indicações do Planalto, mesmo em caráter “oficioso”.

A primeira manifestação de insatisfação do partido foi apresentada a Peres pelo vice-líder do PT no Senado, Tião Viana (AC), que acentuou o interesse de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva indicar, especialmente, os embaixadores do Brasil em quatro países – China, Cuba, Bolívia e Venezuela.

Embora tenha demostrado boa-vontade, Peres considera desnecessária essa reação do PT, visto que a maioria desses postos não é considerada chave na política exterior do País. O senador ponderou que o atual governo conta com a atribuição de patrocinar mudanças na representação do Brasil no exterior e que todos os indicados são diplomatas de carreira – não há políticos na lista e nem protegidos. “Se tivesse uma nomeação para os Estados Unidos ou a União Européia, até entenderia. O que houve foi rotineiro”, afirmou Peres.

De fato, das quatro nomeações consideradas prioritárias pelo PT, apenas três constam da lista encaminhada pelo Palácio do Planalto. A primeira, do atual embaixador do Brasil na Austrália, Antonio Augusto Dayrell de Lima, para Cuba. A segunda  do embaixador Antonino Mena Gonçalves, atual diretor-geral do Departamento das Américas do Itamaraty, para a Bolívia. A terceira, do embaixador Valdemar Carneiro Leão, hoje diretor-geral do Departamento Econômico do Itamaraty, para a Venezuela.

Conforme informaram fontes do governo, o Palácio do Planalto teve o cuidado de deixar para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a tarefa de promover a “dança das cadeiras” entre os mais importantes postos da política externa do País. Esses cargos são, em princípio, os comandos das 11 embaixadas ou representações do Brasil nos Estados Unidos, na União Européia, na Argentina, na Organização Mundial do Comércio (OMC), na Organização das Nações Unidas (ONU), na Alemanha, no Reino Unido, na França, na Rússia, no Japão e na China.

Também podem ser acrescentados outros quatro países que, como a China, poderão vir a ser estratégicos para o novo governo, apesar de não estarem na lista dos mais desenvolvidos. São eles a Índia, a Nigéria, o México e a África do Sul.

Apesar desse pretenso cuidado, o Palácio do Planalto ainda pretende “negociar” com o governo Lula algumas indicações ainda não encaminhadas para o Senado. Essas, sim, envolvem postos-chaves. Entre elas está a do atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, para a representação do Brasil junto à ONU, e a do ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, para a França.

Na semana passada, entretanto, Amaral se mostrava ciente da situação embaroçosa que poderá envolver suas indicação. “Nada será feito à revelia. Para mim, não adianta nada ter um bom posto sem ter o aval e o apoio do novo governo”, afirmou Amaral.

No Itamaraty, alguns diplomatas ponderam que essa situação embaraçosa com o novo governo poderia ter inexistido se o Palácio do Planalto tivesse negociado todas as suas indicações para o exterior. A maioria dos nomes – senão a totalidade – dificilmente traria problemas para o PT, consideram fontes ouvidas pelo Estado.

A possibilidade de o novo governo chamar de volta ao Brasil todos 19 indicados ou uma parte deles, se aprovados pelo Senado, é considerada difícil. A principal razão está nos custos: a remoção de todos eles deverá envolver gastos de cerca de US$ 500 mil a US$ 650 mil.

Dentre os 16 embaixadores que aguardam a sabatina do Senado estão embaixadores em postos relevantes no atual governo, como o atual secretário-geral das Relações Exteriores, Osmar Chohfi, designado para a Espanha, e o chefe do cerimonial do Palácio, Frederico Araújo, para a Austrália.

Os demais são: Kywal de Oliveira, para o Timor Leste; Stelio Amarante, para a Irlanda; Renato Marques, para a Ucrânia; Mauro Iecher Vieira, para a Confederação Helvética; João Gualberto Marques Porto, para Cingapura; Sérgio Eduardo Moreira Lima, para Israel; Eduardo Monteiro de Barros Roxo, para a Síria; Roberto Soares-de-Oliveira, para a Hungria; Ronaldo Edgard Dunlop, para a República Dominicana; Fausto Orlando Campello Coelho, para acumular a representação em Mali a seu posto na Costa do Marfim; George Ney de Souza Fernandes, para o Zimbábue.

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