O Ministério Público Estadual (MPE) moveu nesta quinta-feira, 15, uma ação civil pública pedindo que a Justiça suspenda imediatamente por meio de uma liminar o processo de discussão do projeto apresentado pela gestão João Doria (PSDB) para alterar regras da Lei de Zoneamento, sancionada há dois anos pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

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Autor da ação, o promotor Roberto Luís de Oliveira Pimentel, da Promotoria de Habitação e Urbanismo, afirma que embora a gestão Doria tenha anunciado que o projeto prevê “ajustes” na Lei de Zoneamento, o texto propõe “profundas e substanciais alterações” na lei de uso e ocupação do solo da capital, “com reflexos, inclusive, em disposições do próprio Plano Diretor Estratégico”.

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Por considerar que o projeto também altera diretrizes do Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em 2014, o promotor afirma que o debate sobre a proposta de Doria não teve “a transparência minimamente necessária” e defende que ele seja discutido em duas frentes, como alteração do PDE e do Zoneamento.

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“Assim, caso persista seu intento, a pretensão do Executivo Municipal deverá ser divulgada, de maneira ampla e absolutamente transparente, como consubstanciada num projeto de alteração do Plano Diretor Estratégico, de um lado, e, de outro, num projeto de reforma ou revisão (e não de meros ‘ajustes’) da Lei de Zoneamento, sob pena de invalidade”, afirma Pimentel. O promotor pede ainda que a Câmara Municipal seja impedida debater o projeto na forma como foi proposto e que a Justiça fixe multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

Mudanças

O projeto de Doria, que ainda está na fase de consulta pública na Prefeitura, pretende, entre outras alterações, liberar prédios mais altos no miolo dos bairros, apartamentos maiores e com mais vagas de garagem nas grandes avenidas e reduzir em 30% o valor da outorga onerosa (contrapartida paga pelas empresas para construírem edifícios acima do limite básico da região). Segundo a Prefeitura, o projeto respeita as premissas do PDE.

A gestão defende as alterações com o argumento de que é preciso adaptar as regras de zoneamento à realidade da cidade e incentivar a construção de novas moradias, ainda mais em um momento de crise econômica. As alterações atendem, em grande parte, a demandas do mercado imobiliário apresentadas desde a aprovação da Lei de Zoneamento em 2016, mas foram criticadas por urbanistas e entidades da sociedade civil por desrespeitar as diretrizes do PDE.

Críticas

Em fevereiro, 156 entidades já haviam pedido por meio de uma carta-aberta a suspensão da revisão da Lei de Zoneamento por entenderem que ela provocaria mudanças no Plano Diretor e porque não foi amplamente discutida com a sociedade. As críticas foram juntadas pela Promotoria no inquérito instaurado em 2017 para investigar as alterações que já haviam sido comentadas por Doria em entrevistas à época.

Segundo Fernando Túlio, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em São Paulo, a proposta de revisão do Zoneamento “não foi discutida com atores que não o mercado imobiliário”. As entidades solicitaram uma reunião com o prefeito, que até o momento não respondeu ao pedido.

“A proposta de revisão do Zoneamento apresenta duas graves falhas: renuncia à arrecadação de recursos públicos para investimentos em melhorias urbanísticas em áreas vulneráveis, justamente em um momento de crise fiscal e retomada da produção imobiliária, e reduz a força indutora do Plano Diretor que orienta a transformação urbana às proximidades da rede de transporte, prejudicando, assim, os miolos de bairro”, afirma Tulio.

Uma análise técnica feita por arquitetos do Ministério Público concluiu, por exemplo, que “a liberação do gabarito, especialmente nas zonas mista e centralidade (miolo dos bairros), não se trata de um ‘ajuste’ à Lei de Zoneamento, mas notadamente um incentivo a um produto imobiliário (edifício com gabarito alto e vista) bastante produzido nas últimas décadas”. Assim, afirma, “a proposta contraria a estratégia territorial definida no PDE para o desenvolvimento da cidade”.

Defesa

Em nota, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento informou que ainda não foi notificada sobre a ação da Promotoria, mas afirmou que “estranha que uma proposta que se encontra em processo democrático de discussão pública e elaboração participativa, que ainda nem está em seu formato final de projeto de lei, seja objeto de uma ação judicial voltada à obtenção de uma ‘obrigação de não fazer’, ou seja, de impedir ou restringir a competência legal do Município de coordenar e conduzir ações governamentais voltadas ao planejamento e ao desenvolvimento urbano, e, neste escopo, propor, sob o princípio da gestão democrática, ajustes na legislação”.

A pasta informou ainda que está à disposição da Promotoria para os devidos esclarecimentos, no limite das suas atribuições.

“Cabe destacar que as propostas de ajustes pretendidas à Lei de Zoneamento estão disponíveis no site Gestão Urbana desde 15 de dezembro de 2017, assim como a Minuta Participativa, que tem como objetivo receber contribuições dos munícipes, que, após todo o processo de participação pública, serão analisadas antes do envio do PL para a Câmara. Os ajustes também foram debatidos nas comissões técnicas competentes, mistas do Poder Público com a sociedade civil, entidades de classe, associações e movimentos, bem como em várias audiências publicas durante o mês de fevereiro”.

Na nota, a secretaria ressalta também que “as questões levantadas pelas referidas entidades foram objetos de abordagem ponto a ponto, em ‘Esclarecimento sobre Proposta de Ajuste da Lei de Zoneamento'”, que foi divulgado à imprensa e publicado no site da pasta no dia 27 de fevereiro, “explicitando que as premissas do Plano Diretor Estratégico não estão sendo alteradas”.

A Câmara Municipal informou que o projeto de revisão da Lei de Zoneamento ainda não chegou ao Legislativo e que o Parlamento municipal não foi informado sobre a ação da Promotoria.