O aborto é uma questão social que precisa ser discutida pela sociedade e o Congresso Nacional. Enquanto não houver mudanças na lei, não será possível alterar práticas jurídicas e policiais A avaliação é do promotor do Ministério Púbico do Estado do Mato Grosso do Sul, Paulo César dos Passos, responsável pelo pedido de investigação de cerca de 10 mil mulheres que teriam praticado aborto em uma clínica em Campo Grande (MS) nos últimos 20 anos.
Nos casos em que há provas que essas senhoras praticaram o aborto, não compete a mim deixar de indiciá-las. A lei estabelece claramente no Código Penal que a prática de aborto, consentido ou não, é crime, e eu não posso deixar de apurar. Não de trata de uma posição pessoal, é uma disposição da lei, afirmou Passos.
Ao comentar a nota oficial da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, divulgada na última quarta-feira (30), que pede a reconsideração da decisão judicial, o promotor disse que ainda não foi informado sobre o documento, mas apontou a responsabilidade do Legislativo sobre o assunto.
Se o Parlamento discorda, a Câmara e o Senado são os órgãos competentes para promover uma discussão acerca disso. Essa questão do aborto tem que ser discutida pelos canais competentes pela sociedade, pelos seus representantes, pelos legisladores. O que eu não concordo é que joguem todo o ônus para o Ministério Público, a Polícia e o Poder Judiciário em relação a uma questão que tem que ser necessariamente enfrentada, tanto por políticas públicas sociais, como pelo Parlamento, dizendo se quer que o aborto continue sendo crime ou não, argumentou Passos.
Em entrevista Agência Brasil, o promotor defendeu uma consulta popular para que todos os segmentos da sociedade possam discutir e ser ouvidos.
Passos também destacou que o número de mulheres convocadas a depor será de aproximadamente 2,3 mil e não os cerca de 10 mil que vêm sendo divulgados pela imprensa. Segundo ele, do total de 9.986 mulheres que passaram pela clínica dedicada a abortos, mais de 4 mil o fizeram há mais de 8 anos, limite legal para que os casos possam ser investigados. Em outros 3,5 mil casos não há indícios que possam levar a provas de que as mulheres estavam grávidas quando procuraram a clínica.
Até agora, cerca de 70 mulheres que teriam abortado prestaram depoimento. Dessas, 30 foram indiciadas, mas nenhuma será presa. Elas receberam benefício da suspensão condicional do processo, pelo qual a ação será extinta depois de dois anos mediante o cumprimento de algumas condições como a prestação de serviços comunitários ligados a crianças e a permanência na cidade. Segundo ele, a medida será proposta a todas as outras mulheres que forem indiciadas. O Ministério Público não quer nenhuma dessas pessoas na cadeia. O que existe é a aplicação da lei dentro do princípio de razoabilidade e bom senso.
Segundo ele, são raros os casos em que a prática de aborto é punida com prisão e no Mato Grosso do Sul isso nunca ocorreu. O procurador ressaltou, no entanto, que o tratamento vale para as pessoas que se submetem prática e não para aquelas que fazem dela um comércio, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade de outras.
A legislação brasileira prevê pena 1 a 3 anos de prisão para as mulheres que se submetem a aborto. Para quem faz a intervenção, a pena é de 1 a 4 anos, no caso de consentimento da gestante, e de 3 a 10 anos, sem essa permissão.
Para ouvir as outras cerca 2,1 mil mulheres que freqüentaram a clínica de 2000 a 2006, o promotor estima que será necessário um prazo de mais de um ano. Elas estão sendo convocadas a depor tanto para dar informações sobre o processo relativo clínica como na condição de acusadas no processo que foi aberto exclusivamente para investigá-las.
O Projeto de Lei 1135/91, que propõe a descriminalização do aborto e tramita há 16 anos na Câmara dos Deputados, será levado mais uma vez votação na próxima quarta-feira (7), de acordo com informações do relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP). A última tentativa de votar a proposta ocorreu em novembro do ano passado, na Comissão de Seguridade Social e Família, quando a decisão foi adiada devido a um pedido de vistas dos deputados Pastor Manoel Ferreira (PTB-RJ) e Dr. Talmir (PV-SP).