Projeto incentiva crianças e adolescentes a escreverem livros

Geralmente temida pelos alunos na hora da prova, a página em branco se tornou um convite à criatividade. Um projeto feito em uma escola municipal e duas unidades da Fundação Casa em São Paulo incentiva estudantes a escreverem livros como atividade pedagógica. Além de desenvolver a imaginação, o trabalho ajuda a melhorar a escrita e a autoestima dos jovens.

O professor de Português Luis Junqueira, coordenador do projeto Primeiro Livro, trabalha com a proposta desde 2009, em colégios particulares. Neste ano, ele conseguiu migrar para a rede pública, em caráter experimental. A escrita de obras em sala de aula também está sendo adotada em duas escolas de São Miguel dos Campos, em Alagoas. A Fundação Lemann e o Instituto Inspirare são apoiadores do projeto. Junqueira agora lançou uma campanha de financiamento coletivo para custear a impressão dos livros de seus alunos.

As crianças e jovens têm liberdade para a escolha do tema – de ficção ou baseado em fatos reais – e também são responsáveis pelas ilustrações. Cada capítulo é acompanhado por Junqueira e sua equipe, durante encontros presenciais ou por arquivos virtuais compartilhados. Os retornos são feitos em mensagens de texto ou videoaulas, que indicam erros e sugestões.

Na Escola Municipal Campos Salles, em Heliópolis, na zona sul, o projeto é feito com alunos do 5º e do 8º anos do ensino fundamental. “Muita gente ia mal em Português e agora sabe usar a pontuação, os parágrafos, por causa do projeto”, conta Emily Santos, de 11 anos, que sonha dar aulas de Português quando adulta. “Gosto muito de ler e escrever”, acrescenta ela, do 5º ano.

Segundo a coordenadora pedagógica da escola, Amélia Arrabal Fernandez, o contato mais frequente com as palavras trouxe confiança aos alunos. “Eles têm costume de dizer que não sabem e depois ficam perplexos de ver que conseguiram”, explica. As crianças também se ajudam, compartilham dicas, dificuldades e conselhos para os rumos dos personagens dos colegas.

“Pensei que ia ser difícil, mas agora meu livro está praticamente pronto”, conta Renato Salgado, também de 11 anos, autor de uma história sobre moradores de rua. “No fim do ano, quero ter sucesso e dar vários autógrafos”, prevê ele, do 5º ano do fundamental. Os autores mirins terão direito a uma festa de lançamento dos livros, com direito a pelo menos 20 obras para cada um.

O desafio, confirma Luiz Junqueira, é menos complexo do que parece. “Nessa idade, as crianças são criativas e abertas. Nosso trabalho é sistematizar”, explica. A orientação dos professores envolve tarefas diversas: desde o debate de técnicas narrativas – como construção de personagens – até lidar com o bloqueio de imaginação dos pequenos autores.

Como permite a cada aluno seguir um ritmo, a aprendizagem no projeto é personalizada. “Aquele com problemas em vírgulas ou reticências, melhora na pontuação. Outro, em nível sofisticado de texto, aprende mais sobre estilos literários”, diz. “Eles também passam a ver diferente o outro e dão um salto de maturidade.”

Superação

Fechados na Fundação Casa, os internos reencontram a liberdade ao se dedicar à escrita. “O projeto me ajuda a voltar a sonhar e controlar a ansiedade aqui dentro”, relata Carlos (nome fictício), de 18 anos, interno da unidade da Vila Maria, na zona norte.

“Quando ficar pronto, quero mostrar esse trabalho para minha avó”, conta ele, autor um livro de autoajuda, que mistura experiências pessoas e reflexões sobre a vida. “Quero trabalhar sobre esperança, perdão e recomeço.”

Entre os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, os temas dos livros mudam. “A dimensão da realidade é distinta. Na Fundação Casa, estão bem ligados ao concreto, ao real. Na escola particular, o aluno costuma ir pelo universo da fantasia”, diz Junqueira. Histórias de superações, em busca do final feliz, também são recorrentes.

Aos internos, a participação é facultativa. A sexta-feira de aulas é o segundo dia mais esperado pelos autores da Fundação – a exceção é o sábado, quando recebem visitas da família. “O preconceito que sofremos é grande. Fazer o livro mostra que todos temos potencial”, afirma Mário (nome fictício), de 17 anos.

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