O congelamento de óvulos, espermatozoides, embriões ou tecido ovariano dá a homens e mulheres com câncer a possibilidade de serem pais e mães. A preservação dos gametas é indicada porque o tratamento oncológico compromete a fertilidade, mas o alto custo do procedimento pode ser um impeditivo – varia de R$ 10 mil a R$ 18 mil. Para facilitar o acesso, alguns programas oferecem o serviço de forma gratuita ou com preço reduzido para quem foi diagnosticado com algum tipo de tumor.

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Saber da existência desse tipo de projeto social foi um alívio para Alexandra Maria Velho Martins quando, no começo deste ano, recebeu o segundo diagnóstico de câncer de mama. “A quimioterapia poderia acabar com a possibilidade de ser mãe, mas era um fator decisivo a questão do valor. Não acreditei quando o médico falou do programa, então resolvi fazer (o congelamento de óvulos)”, conta a gerente de recursos humanos, de 38 anos. O procedimento deve ser realizado antes de se iniciar o tratamento do tumor.

Na semana passada, um dia depois de conversar com o a reportagem, ela passou por uma cirurgia para retirada dos ovários após ser detectada com uma mutação no gene BRCA, o que aumenta as chances de ter câncer nessas glândulas e nas mamas. O procedimento preventivo é semelhante ao que Angelina Jolie fez em 2013 ao realizar dupla mastectomia.

Sem os ovários, também não haveria possibilidade de Alexandra ser mãe se não tivesse optado pela preservação da fertilidade. “Mais um motivo que me dá muita alegria. Meu sentimento hoje é de segurança, de paz. Se um dia eu encontrar uma pessoa que queira ser pai de um filho meu, eu tenho essa segurança, seja quando for na minha vida.”

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Alexandra realizou o procedimento por meio do programa de oncofertilidade da Huntington Medicina Reprodutiva. Nessa iniciativa, homens e mulheres com diagnóstico de câncer pagam um valor reduzido para terem seus gametas preservados – no caso das mulheres, são R$ 6 mil, um terço do que é normalmente cobrado. A idade máxima para fazer parte do projeto é de 42 anos para ambos os sexos.

“Parte muito custosa do congelamento de óvulos e embriões é a indução ovariana. Nesse projeto, os hormônios são doados pela indústria farmacêutica, o custo do tratamento acaba sendo subsidiado e se paga apenas o preço do congelamento”, explica Mauricio Chehin, especialista em reprodução assistida e coordenador do programa da Huntington.

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O tratamento de indução ovariana ao qual ele se refere é feito com a aplicação subcutânea diária de hormônios a fim de que a mulher produza vários óvulos de uma vez. Essa etapa dura de dez a 14 dias. “Para mulheres com câncer, a ideia de utilizar hormônios pode assustar, mas esses hormônios não atingem a mama. Junto com a indução, usa-se uma segunda medicação que bloqueia a produção de estrogênio e é 100% segura, não piora o prognóstico”, diz Chehin.

O medicamento para estimular a produção de óvulos é cedido gratuitamente pelo programa Proteger, dos Laboratórios Ferring. A farmacêutica tem parceria com cerca de 20 clínicas ou hospitais em todas as regiões do Brasil para as quais destina as injeções. “Essas clínicas fazem diagnóstico da paciente e envia solicitação do tratamento. Algumas fazem tratamento sem custo e outras cobram valor reduzido, mas uma parte importante é o medicamento (de indução ovariana)”, diz Eli Lakryc, diretor médico da empresa.

Ele explica que, após a aprovação do pedido, leva até dois dias para a mulher receber os hormônios. Se ela estiver em São Paulo, pode chegar no mesmo dia. O tempo é precioso nesse cenário, porque o tratamento oncológico não pode esperar muito e o procedimento de preservação da fertilidade deve ser feito antes disso.

Lakryc destaca a importância da chamada oncopreservação, do trabalho conjunto entre oncologistas e especialistas em reprodução humana “para a mulher realizar o sonho de ser mãe”. Para isso, ela precisa ser informada sobre os prejuízos que a quimioterapia e radioterapia causam à fertilidade.

Na rede pública do Estado de São Paulo, o Hospital Pérola Byington, centro de referência da saúde da mulher, investe cerca de R$ 2 milhões por ano para manter o serviço de reprodução assistida, que é oferecido desde 1991.

Para ter acesso ao congelamento de óvulos, mulheres em tratamento de câncer devem agendar o procedimento por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Assim que a paciente é atendida, o tratamento é indicado e exames necessários são solicitados para encaminhamento ao centro médico. Desde 2016 até o primeiro semestre de 2019, 325 pessoas realizaram a preservação da fertilidade nessas condições.

O hospital é um dos parceiros da Ferring, que envia o tratamento de indução ovariana gratuitamente. Outro cliente da farmacêutica e que tem um programa sem custos é o Instituto Ideia Fértil, com o Guardando Sonhos. A própria clínica congela os óvulos ou sêmen de pessoas em tratamento de câncer.

“O critério para a mulher é ter reserva ovariana normal e ciclo funcionando regularmente. A paciente tem de passar em consulta e vir com encaminhamento do oncologista. Se não tiver carta do médico, ela pode procurar por demanda, mas entramos em contato com o oncologista dela”, explica Emerson Barchi Cordts, diretor clínico do Ideia Fértil. O instituto tem três unidades em São Paulo, mas o projeto funciona dentro da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André.