Na cidade de Piracaia, a 90 km de São Paulo, um grupo de pequenos produtores rurais abriu suas terras para ajudar a proteger o Cantareira. Pastagens degradadas ou áreas desmatadas em margens de rios e no entorno de nascentes estão ganhando mudas de árvores a fim de aumentar a capacidade de absorção de água do sistema, que sofreu com a pior seca de sua história entre 2014 e 2015.

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A ideia é usar a restauração florestal, a própria natureza, como solução para um problema que muitas vezes se imagina ser somente de falta de obras. Em vez de depender apenas da infraestrutura cinza, como transposição de rios, construção de novos reservatórios, novos investimentos em tratamento de água, entra em jogo, de modo complementar, a infraestrutura verde, ou as chamadas “soluções baseadas na natureza”.

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O projeto é um dos destaques de um relatório divulgado na última quinta-feira pela Fundação Grupo Boticário, em parceria com o GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas) e apoio do Ministério do Meio Ambiente, que detalha 15 iniciativas desse tipo já em andamento ou ainda em fase de projeto no Brasil. Elas buscam resolver problemas da sociedade usando a natureza e os ecossistemas como parte da solução.

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Não é algo realmente inédito. É o que o planeta sempre fez, mas que a humanidade vem destruindo. A novidade é descobrir formas de quantificar o valor desses serviços. E compará-los com os custos dos procedimentos tradicionais.

O projeto desenvolvido em Piracaia e em outras cidades das bacias que abastecem o Cantareira, por exemplo, mediu o custo evitado no tratamento de água que pode ser obtido com o restauro de 4 mil hectares de vegetação nativa.

“Essa restauração pode maximizar a produção de altíssima qualidade e trazer um benefício líquido de US$ 70 milhões em 30 anos”, calcula Rafael Feltran-Barbieri, economista e pesquisa do World Resource Institute no Brasil, que organizou o projeto, em parceria com União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e The Nature Conservancy com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e financiamento da Coca-Cola.

O valor foi medido considerando os custos do plantio e os que existem hoje para o tratamento da água por causa dos sedimentos que são carregados para os rios em razão de as áreas rurais no entorno dos corpos d’água hoje não terem cobertura vegetal. Foram definidas quais são áreas prioritárias para essa conservação e a conclusão foi que os benefícios diretos superariam os custos em até 16,54%.

Dos 4 mil hectares previstos no cálculo, já houve plantio em 675 hectares em propriedades com passivos de área de preservação permanente (APP), como em Piracaia. Lá um dos sítios envolvidos é do casal Maria Alejandra Alcalá e Dercílio Pupin, que comprou o terreno já com problemas.

“O pasto estava degradado, o solo, sem vitalidade. O que plantávamos não tinha viço, a terra estava esgotada. O solo estava pisoteado, a água da chuva passava direto, não entrava na terra, ia levando sedimento para o rio”, conta Alejandra, em referência a um braço do Ribeirão Quatro Cantos, que desemboca no Rio Cachoeira e, este, no Atibaia, parte do sistema Cantareira.

Alejandra disse ser “evidente” a relação entre a recuperação das nascentes e a melhoria da diversidade no local, assim como maior nível de água no rio.

Políticas públicas

Segundo Guilherme Karam, coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Boticário, o objetivo do trabalho foi levantar os benefícios socioeconômicos dessas soluções baseadas na natureza.

“Sempre se soube que conservar traz benefícios como ar puro, polinizadores, aumenta a resiliência às mudanças climáticas, mas não havia muitos dados concretos sobre quanto é isso. Queríamos levantar mais argumentos para justificar a importância da conservação da biodiversidade e incentivar políticas públicas”, diz. “Não é só para salvar uma espécie animal, uma planta, mas porque permite que a sociedade e os negócios tenham mais qualidade”, defende.

Natalia Lutti, gestora de projetos da FGV, lembra que este é um movimento que está ocorrendo em todo o mundo. “Alguém pode dizer que são coisas antigas, mas muitas vezes não são vistas pelos gestores como uma alternativa para os desafios, por não haver uma certeza de que de fato dá certo. Construir uma barragem é algo bem conhecido sobre custos, ganhos, mas restaurar áreas verdes é menos matemático, mais qualitativo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.