A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), quer que seja considerada inconstitucional a Medida Provisória 755 baixada pelo presidente Michel Temer, que alterou a destinação e uso de verbas do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A representação foi enviada para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deve ser chamado a se manifestar no pedido com o mesmo teor elaborado pelo PSOL que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem apurou que o próprio Janot já havia procurado o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para expor a sua discordância quanto às alterações e alertando sobre a possibilidade de judicialização. Em um documento de 19 páginas, três procuradores discorrem sobre os motivos para a inconstitucionalidade, sustentando principalmente que a retirada de verbas do Funpen para uso em outros setores da segurança pública fere o determinou o STF em julgamento de setembro de 2015, quando previu o descontigenciamento do fundo para aplicação na melhoria das cadeias do País.
A reportagem revelou em 25 de novembro que a medida estava sendo elaborada pelo Ministério da Justiça para conseguir verbas para custear as ações do Plano Nacional de Segurança.
A MP 755 foi baixada por Temer em 20 de dezembro, alterando a origem das verbas destinadas ao Funpen. Originalmente, 3% da arrecadação das loterias federais iam para o Funpen; com a mudança a proporção passou para 2,1%. A porcentagem representa mais da metade do que entra no fundo penitenciário anualmente, cuja monta atual supera os R$ 2 bilhões. Além disso, a medida provisória criou a possibilidade de o Funpen usar verbas em “políticas de redução de criminalidade”, com possibilidade de uso das verbas até para pagamento de diárias a policiais.
Para os procuradores Deborah Duprat, Marlon Weichert e João Akira, a medida promoveu “substancial alteração” na aplicação dos recursos do Funpen ao também prever a permissão de que 30% do saldo seja revertido para o Fundo Nacional de Segurança Pública. Eles acreditam que as mudanças “desvirtuam e desviam recursos do sistema penitenciário para a área da segurança pública”. “Com efeito, essas alterações pretendem usar verbas do Funpen para quaisquer iniciativas que se enquadrem nas extremamente genéricas previsões de políticas de redução de criminalidade'”, escreveram.
A procuradoria acredita que as mudanças deram um “cheque em branco” ao Poder Executivo para “desviar os recursos do Funpen para outras finalidades”. O órgão pondera que não se pretende afirmar que uma alteração de fontes de custeio de fundos especiais seja inconstitucional, mas ressalta que isso está ocorrendo em um contexto em que o STF determinou o descontingenciamento do Funpen diante da precariedade das estruturas e do atendimento aos presidiários. “A Medida Provisória, nesse particular, é inconstitucional, pois agrava um quadro já reconhecido como incompatível com a Constituição brasileira e Tratados Internacionais de Direitos Humanos firmados pela República brasileira”, declararam.
Supremo
Conforme antecipado pelo Broadcast Político, serviço de informação em tempo real da Agência Estado, o PSOL entrou com um aditamento à arguição de descumprimento de preceito fundamental 347, de autoria do próprio partido, segundo o qual a MP descumpre decisão do próprio STF, que em 2015 declarou o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário e determinou o descontingenciamento de verbas. Nesta quarta, uma comitiva do partido, depois de reunião com a presidente da corte, ministra Carmen Lúcia, disse haver a expectativa de que haja uma decisão antes do fim do recesso.
Em nota divulgada na segunda-feira, 9, o Ministério da Justiça, em comentário a ação do PSOL, disse que nenhum “valor foi repassado para a área de segurança e não será repassado em 2017, porque não houve superávit do fundo”. “Desta forma, o Ministério da Justiça e Cidadania reitera que todo os valores do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) serão utilizados integralmente no sistema penitenciário”, informou a pasta. O Estado procurou o ministério na tarde desta quarta, mas não houve apresentação de resposta até a publicação desta reportagem.