Anapu – Dois homens acusados de envolvimento no assassinato da missionária Dorothy Stang foram presos em Altamira, no Pará, nas últimas 24 horas. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, intermediário que contratou os pistoleiros que mataram a freira, foi preso na tarde de ontem e encaminhado à delegacia de Altamira, onde será interrogado. Na noite de sexta-feira, também foi preso um homem suspeito de ter ajudado na fuga do fazendeiro Vitalmiro de Moura, conhecido como Bida, procurado sob acusação de ter ordenado o assassinato da freira Dorothy Stang, no último dia 12.
Identificado apenas por Júnior, o homem teria viajado de Altamira até a fazenda de Bida, na região de Anapu, para resgatá-lo após o crime. Júnior foi liberado horas depois, após prestar depoimento. Ele negou que tenha participação no assassinato. Um delegado informou que, ao chegar à fazenda para dar fuga a Bida, o fazendeiro já não estaria mais lá.
Na quinta-feira, a polícia já tinha encontrado uma caminhonete F-350 de cor prata, que seria de Tato. O veículo foi encontrado numa ladeira bem perto do lugar onde a freira foi morta. Estava presa na lama, com a parte dianteira chamuscada por fogo. A polícia acredita que o motor tenha fundido durante a tentativa de fuga, no esforço para desatolar o veículo. A Polícia Federal, a Polícia Civil e o Exército fizeram buscas ontem pela manhã em estradas vizinhas às margens da rodovia transamazônica em buscas dos dois suspeitos da morte da freira. Testemunhas informaram aos agentes federais que os dois homens, identificados pela polícia como os pistoleiros Eduardo e Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, teriam ficado na região pelo menos até a última terça-feira e pedido abrigo e comida em duas casas localizadas a cerca de 30 quilômetros do local do crime. Durante a operação de sexta-feira, os policiais mostraram aos moradores da área fotos e retratos falados dos acusados na tentativa de obter mais alguma informação. A PF acredita que eles ainda possam estar escondidos na área. A dupla, que chegou a Anapu há pouco mais de um mês, não conhece profundamente as matas da região. A suspeita é de que eles estejam fugindo a pé no rumo da rodovia transamazônica no sentido Marabá-Altamira.
O Exército continuava patrulhando as ruas de Anapu e dando apoio logístico à Polícia Civil e à Polícia Federal. A partir de hoje, além dessas tarefas, os militares vão prestar atendimento médico e odontológico à população de Anapu. A ação cívico-social, como é definida no jargão militar, será baseada no posto de saúde da cidade. O material necessário ao atendimento começou a chegar na sexta-feira em helicópteros do Exército, que também trouxeram fardos de arroz, feijão e frango para o preparo das refeições do militares que foram deslocados para a região.
Fuga por medo de queima de arquivo
Anapu – A Polícia Civil ouviu o depoimento dos pais das cinco crianças abandonadas no fim de semana numa casa dentro da propriedade de Bida. O casal disse que fugiu após ouvir o fazendeiro dizer que mataria todos da família, inclusive as cinco crianças. Eles acreditam que o fazendeiro e seus capangas poderiam matá-los por queima de arquivo, pois o casal havia percebido movimentações pouco usuais dentro da fazenda nas horas seguintes ao assassinato da missionária.
?Nós ouvimos eles falando que iam matar os grandes a tiros e os pequenos a pauladas. Nós resolvemos fugir e deixar as crianças porque achamos que se elas estivessem sozinhas eles teriam pena e não fariam nada??, disse a mãe das crianças, Francimone Silva Menezes, de 26 anos. Francimone trabalhava na fazenda de Bida, onde morava com cinco filhos e o marido, Luiz Heleno Nunes da Costa, de 31 anos, o sogro e um cunhado, que também fugiram. O grupo foi encontrado na sexta-feira numa fazenda vizinha. Durante os cinco dias em que ficaram escondidos na floresta, eles disseram ter comido jabuti assado, frutas nativas, como bacaba, e bebido água de ouriço, semelhante ao coco.
Missa em São Paulo
?Justiça e punição para os criminosos que assassinaram no Pará a missionária Dorothy Stang.? Este foi o apelo do arcebispo metropolitano de São Paulo, d. Cláudio Hummes, durante o sermão na missa de 7.º dia em memória da freira na Catedral da Sé, ontem na capital paulista, no centro de São Paulo . ?Que todos esses crimes sejam apurados. Clamamos, exigimos isso do governo para que seja feita a demonstração de que podemos construir um Brasil humano?, afirmou d. Cláudio. ?E não incentivar a impunidade para que outros cometam crimes ainda maiores?, disse. Cerca de mil pessoas, além do presidente nacional do PT, José Genoino, e do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), participaram do ato, realizado ao meio-dia de ontem. Em seu sermão, o arcebispo metropolitano de São Paulo lembrou outros crimes que ainda não foram solucionados, como o assassinato de moradores de rua em São Paulo.
PDS, projeto desenvolvido pela irmã Dorothy Stang
Anapu – Concebido pela irmã Dorothy, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) foi incorporado pelo Programa Nacional da Reforma Agrária porque contempla os objetivos preservacionistas do governo em relação aos assentamentos na região amazônica. Porém, o trabalho socialista que a freira adicionou ao projeto colide de frente com os interesses econômicos dos proprietários de terra e madeireiros da região, acostumados a expulsar pequenos agricultores para expandir seus domínios e a um modo de exploração dos recursos naturais baseado na política da terra arrasada. Esse modelo consiste em extrair primeiro a madeira de valor e depois devastar a mata para criação de gado ou produção de monoculturas. Quando o solo se torna imprestável, em vez de recuperá-lo, o que demanda dinheiro, o grileiro parte para a ocupação de novas áreas inexploradas da selva e repete o ciclo de exploração predatória, em consórcio com fazendeiros e madeireiros. Os colonos encontrados no caminho são expulsos ou mortos.
Segundo a polícia, o grileiro Vitalmiro é um dos que fizeram fortuna com essa prática. Os PDSs da irmã Dorothy fugiam a essa lógica e disseminavam entre os colonos um modo de produção baseado na atividade econômica com preservação ambiental. ?Nos PDSs, culturas permanentes, como cacau e pimenta, são consorciados com essências da selva, como mogno, cumaru e castanha-do-Pará?, explica o técnico agrícola Geraldo Magela de Almeida, que trabalhava com a religiosa há 15 anos. Ela queria também verticalizar a produção, mediante a instalação de microindústrias de beneficiamento de produtos típicos, como cupuaçu, banana e açaí. ?Tudo isso contrariava os interesses capitalistas dos grandes proprietários, muitos deles detentores de documentação falsa das propriedades?, explicou Magela. A retirada intensa de madeira devastou milhões de hectares de floresta na região do Meio, que já está ligada ao chamado Arco do Desmatamento, uma faixa de destruição ambiental que corta a Amazônia de leste a oeste, passando pelo sul do Pará. Em Anapu e Pacajá, o ritmo de extração é de 5 mil metros cúbicos de madeira de lei a cada mês.
Escravos, pistoleiros e grilagem de terras
Anapu – Com 10 municípios, numa área equivalente ao Estado de Santa Catarina, a Terra do Meio, entre os rios Xingu e Tapajós, é cortada pelas rodovias Transamazônica e BR-163 (Cuiabá-Santarém). A região é a atual campeã em denúncias de trabalho escravo, extração ilegal de madeira, pistolagem e grilagem de terras. Dos 12 assassinatos de trabalhadores rurais ocorridos este ano no Pará, seis foram registrados na região. Só na última semana, ocorreram três mortes, incluindo a missionária americana Dorothy Mae Stang, no dia 12.
Construídas pelo regime militar, as duas rodovias nunca foram pavimentadas, mas se tornaram alavanca para a ocupação desordenada da região, com sérios danos ambientais. Nessa época de chuvas intensas, de janeiro a abril, as estradas ficam intransitáveis. Atoleiros, erosões gigantes e o transbordamento de rios transformam em aventura arriscada a vida de quem precisa trafegar na região.
Nos últimos cinco anos, a situação se agravou em Anapu e vizinhanças, paradoxalmente, com a promessa de asfaltamento das duas rodovias e de energia farta, com a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Junto com trabalhadores rurais sem terra, vieram grileiros e aventureiros de olho na valorização das terras. Com estes, vieram pistoleiros para afastar os nativos e assentados da reforma agrária já estabelecidos na região. Porém, os forasteiros encontraram a forte resistência de ONGs, como o Greenpeace e de movimentos sociais religiosos que atuam na região.
Com a explosão demográfica e a ocupação desordenada, as tensões se agravaram na região, a pobreza se instalou e a matança assumiu proporções fora de controle. Anapu, a 500 quilômetros de Belém, não tem comarca, juiz, promotor ou defensor público. A polícia é acusada de ser cooptada pelo poder econômico dos grileiros, madeireiros e fazendeiros. ?O maior problema, além da ausência do estado, são os forasteiros, sobretudo os de maior posse, que impõem a lei da força?, lamentou o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis (PTB). A cidade é cercada por carvoarias que utilizam o trabalho escravo, inclusive de crianças.