Foto: Agência Brasil

Maioria dos deputados está longe de Brasília e ganhando R$ 443 por dia.

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Pouca vergonha. Excrescência. Mordomia. São alguns dos termos usados pelos próprios parlamentares sobre o pagamento equivalente a quase um salário-mínimo e meio, R$ 443,00 por dia de convocação extraordinária do Congresso, que custará aos cofres públicos quase R$ 100 milhões.

Enquanto a convocação chega ao seu 22.º dia, com a maioria dos deputados longe de Brasília, o país acompanha diariamente a exibição de plenários e corredores vazios, sem qualquer votação. Em busca de uma saída para tamanho desgaste, os presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidiram comprar a briga e vão tentar aprovar pelo menos um projeto que acaba com o pagamento de subsídio extra em períodos de convocação. Outra proposta prevê a redução do período de recesso.

Embora com o constrangimento crescendo no Congresso, os líderes partidários estão divididos em relação à redução dos benefícios. Se depender do líder do PP, deputado Mário Negromonte (BA), por exemplo, nenhuma das mudanças moralizadoras será aprovada. Ele afirma que não tem vergonha de embolsar subsídios extras. Segundo Negromonte, mais de 300 deputados estão "no vermelho".

"Vergonha é roubar e matar. Eu prefiro ganhar por dentro, limpo, do que ganhar por fora. Essa turma aí que está devolvendo parece que ganha por fora… Não quero ser um deputado que ganha mal e depende de empresários. E não se pode comparar o subsídio do deputado com o salário mínimo. Não se pode banalizar a função parlamentar", diz Negromonte.

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Ele considera igualmente absurda a proposta de reduzir o recesso. "Além de visitar as bases, eu também tenho netos e filhos. O deputado é um ser humano como qualquer outro. Quero tempo para viajar com minha família, preciso conversar com meus filhos. Se depender de mim, nada disso passa".

Um dos que pressionaram pela convocação extraordinária para não tirar a crise do foco, o líder pefelista Rodrigo Maia (RJ) diz que é a favor das mudanças, mas ainda vai discutir com a bancada. No caso do pagamento, ele acha que deve ser extinto quando for feita autoconvocação, e que o valor seja reduzido quando a convocação for feita pelo Executivo. E que o recesso caia de 90 para 60 dias. Maia não devolveu os pagamentos extras.

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"Minha opinião é que passa se for posto em pauta. A redução do prazo do recesso tem um quórum mais complicado (308 votos), constitucional, mas é matéria menos polêmica que a remuneração", prevê Maia.

De Maceió, onde acompanha a polêmica do baixíssimo aproveitamento da convocação extraordinária em Brasília, Renan Calheiros disse que o Congresso deve acabar imediatamente com "essa excrescência" do pagamento em dobro nesse período: "Essa coisa tem que ser varrida da Constituição. A convocação extraordinária é uma boa oportunidade para acabar com essa pouca-vergonha!?

Renan disse que o Congresso não pode mais conviver com esse tipo de mordomia, mas não disse se vai devolver os dois subsídios extras.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o recesso de 90 para 45 dias foi apresentada pelo deputado Nícias Ribeiro (PMDB-PA) em 1996 e se arrastou na Câmara. No fim de 2003, a comissão especial aprovou o relatório do deputado Isaías Silvestri (PSB-MG) e desde então a proposta está pronta para ser levada a plenário. Ela prevê 15 dias de recesso em julho e outros 30 de 15 de dezembro a 15 janeiro. Diz ainda que o Congresso só entrará em recesso após aprovar o orçamento da União do ano seguinte.

O decreto legislativo que acaba com o pagamento extra é de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Para aprovar a PEC são necessários ao menos 308 votos sim. O decreto de Jungmann exige pelo menos 257 deputados em plenário e a aprovação por maioria dos presentes.

O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), diz que a bancada é favorável às duas propostas: "Temos um processo de desgaste de muitos anos e estamos num momento maduro para votar". O líder do PSB, Renato Casagrande (ES), vai tentar fechar questão na bancada a favor das duas mudanças. "Acredito que o PSB não vacilará. Vamos pedir votação nominal para o fim do pagamento extraordinário, se preciso", avisa Casagrande.

O líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), ainda vai conversar com sua bancada. Ele é favorável ao fim do pagamento extra, mas vê problemas na redução do recesso. "No recesso, a gente está trabalhando nas bases. Isso tem que ser bem discutido", afirma Monteiro. Os tucanos também tendem a votar favoravelmente ao fim do pagamento. O deputado Bismark Maia (CE) afirma que há um clima propício para mudar as coisas, mas quer discutir melhor a redução do recesso. "Queremos ver se isso não é apenas uma maneira de jogar para a platéia e discutir a redução do recesso, de forma açodada, só para apagar os efeitos do mensalão".

Confiante

Confiante, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), diz acreditar na aprovação, nos próximos dias, do projeto que prevê fim do pagamento extra e a redução do recesso parlamentar. Ele defende a Casa e diz que trata-se de uma das instituições em que o corporativismo é mais atenuado. Rebelo pôs na pauta desta semana a votação de propostas sobre o fim do pagamento extra e a redução do recesso, assunto que vem sendo debatido desde 1996. "Sou bastante otimista. Vou pôr na pauta. E acho que pode ser aprovado".

Sobre a redução do recesso, que encontra resistência até entre líderes, Rebelo diz que "não vamos acabar com o recesso, mas diminuí-lo para 60 ou 45 dias. O deputado que já usa o fim de semana para visitar as bases, terá que se adaptar. A principal atividade é ficar aqui, dedicar-se às atividades da Câmara".