Joana do Nascimento, de 44 anos, e Cícero de Lima, de 51, estão juntos há uma década e há cinco anos têm participação ativa na paróquia que frequentam, no extremo sul de São Paulo. Os dois atuam em encontros de casais. Além disso, ele colabora como pedreiro na manutenção do templo e ela é responsável por algumas leituras da missa. Mas ficam de fora do momento máximo da celebração: não podem comungar porque Lima é divorciado da primeira mulher.

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O casal reúne documentos e junta economias para custear o processo de nulidade do matrimônio dele para, então, se casar na Igreja e comungar. “É claro que dá vontade de comungar, mas já ficamos felizes de poder servir na Igreja. Pensei que, como a gente mora junto sem ser casado, nunca deixariam. Mas assim que Francisco se tornou papa, veio o convite”, diz Joana à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

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Segundo teólogos, esse tipo de presença – como a de divorciados e de casais homossexuais – nas paróquias mostra como, em geral, a Igreja Católica no Brasil tem entendido o discurso de acolhimento do papa. “O que ele prega é que, antes de vermos o que há de diferente, a Igreja se firme no que nos une, que é o amor ao próximo. É a grande reviravolta”, analisa Francisco Borba Ribeiro Neto, do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “No fundo, ele não propõe valores ou ideias diferentes dos antecessores, mas um posicionamento diferente”, afirma.

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O grande desafio, diz Borba, é fazer com que toda a comunidade se converta ao posicionamento do papa. “É uma questão de reler os conflitos de outra forma. Onde essa capacidade já está dada, o caminho flui com facilidade. Mas há um grupo minoritário – mais barulhento do que numeroso – que se contrapõe a isso, porque fez a própria trajetória na linha da relação agressiva com o diferente.”

Primeiro passo

Quem sente as sutilezas da segregação torce para que o acolhimento seja só um primeiro passo para a aceitação irrestrita, mesmo que isso leve tempo. “Não há acolhimento pela metade. Se você deixa a pessoa participar da missa, mas não da comunhão, está segregando, discriminando”, diz Loreano Goulart, um dos coordenadores da Pastoral da Diversidade Sexual de São Paulo.

O grupo existe há quase dez anos. É formado por cerca de 200 pessoas – entre gays, lésbicas, transexuais e transgêneros – que se reúnem quinzenalmente para reuniões e missas, em que todos podem comungar.

“Frequento a mesma paróquia desde criança e sempre fui o mais religioso de casa. Na adolescência me dei conta de que era gay, mas só assumi mesmo aos 22 anos”, conta o supervisor de operações Tyago Queiroz, hoje com 31 anos. “Nesse tempo, passei por longo processo de autoaceitação e, pasmem, quem me ajudou nisso foi o próprio padre”, diz ele, que frequenta uma igreja na zona leste.