Em menos de um mês, a Lava Jato intercedeu “a favor” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo menos duas vezes, contrariando o senso comum. Primeiro, foi o pedido para que Lula saia da prisão em regime fechado e migre para o regime semiaberto – a defesa do petista foi contra. No caso mais recente, o Ministério Público Federal (MPF) na segunda instância pediu a anulação da sentença da primeira instância do caso do sítio em Atibaia. Os advogados do ex-presidente também foram contrários.

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O julgamento desse último pedido do MPF, que inicialmente estava marcado pela estar quarta-feira no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), foi suspenso na terça (29) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) após reclamação da defesa de Lula.

Tanto os pedidos do Ministério Público como a reação da defesa de Lula podem causar estranheza. Mas ambos seguem estratégias jurídicas próprias que estão longe de buscar o benefício do “oponente”.

No caso do MPF, o objetivo é evitar derrotas jurídicas no futuro, e não beneficiar Lula.  Já defesa do petista quer que ele saia da cadeia inocentado e argumenta que a Lava Jato está tentando “consertar” o que considera ser ilegalidades praticadas contra Lula na investigação e no processo.

Entenda os argumentos do MPF e de Lula no caso do sítio de Atibaia

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Procurador Maurício Gerum, que assina pedido do MPF pela anulação da sentença em primeira instância. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

No caso da anulação do julgamento da sentença do sítio de Atibaia, o procurador regional Maurício Gerum, que assina o pedido do MPF, se antecipou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que está analisando se réus delatados têm de ser ouvidos antes dos réus delatores na ordem das alegações finais dos processos criminais.

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O julgamento do STF ainda não foi concluído. Mas, antes de ser interrompido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia firmado maioria para determinar que delatados tem de se pronunciar depois dos delatados. O STF entendeu que quando há réus que firmaram acordos de delação premiada, eles devem entregar as alegações finais – últimos argumentos antes da sentença – antes dos demais réus, para que os delatados tenham a chance de se defender.

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Os ministros do STF anularam duas sentenças do ex-juiz Sergio Moro em processos da Lava Jato (que não envolvem Lula) com base nesse argumento. O julgamento no plenário foi suspenso antes de se definir os parâmetros para os demais casos.

O MPF pediu a anulação da sentença do sítio em Atibaia para que o processo seja retomado a partir da entrega das alegações finais, desta vez na ordem determinada no julgamento do STF. Gerum diz que a medida busca “salvaguardar a coerência do sistema jurídico” e “evitar futuras alegações de nulidade que certamente conduzirão a um grande prejuízo em termos processuais”.

No caso específico do sítio de Atibaia, a defesa de Lula havia pedido expressamente, ainda em primeira instância, para se manifestar depois dos delatores – num caso idêntico ao que foi anulado pelo plenário do STF.

Ao pedir desde já que a sentença seja anulada e o caso seja retomado a partir das alegações finais, o MPF se adianta a uma possível derrota no STF – o que faria com que o caso atrasasse ainda mais, podendo até prescrever a depender de quando o Supremo julgasse o recurso.

Em primeira instância, o novo juiz da Lava Jato, Luiz Antônio Bonat, teve a mesma atitude um processo que ainda tramita na Justiça Federal de Curitiba. No processo referente à compra de imóveis pela Odebrecht em favor de Lula, Bonat já avisou que os delatores vão entregar alegações finais antes dos demais réus. A decisão foi tomada depois de uma determinação do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

Advogados de Lula, entre eles Cristiano Zanin Martins, argumentaram que o julgamento não deveria ser dividido e a questão deveria ser analisada junto com o mérito do caso. Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

A defesa de Lula, apesar de ter pedido para que a ordem das alegações fosse diferente no caso do sítio, foi contra o pedido do Ministério Público e pediu que o TRF-4 não julgasse a questão de ordem. Os advogados de Lula argumentaram que o julgamento não deveria ser dividido e a questão deveria ser analisada junto com o mérito do caso. A ação está pronta para ser julgada no mérito em segunda instância, mas o TRF-4 decidiu analisar primeiro a questão de ordem do MPF.

Para a defesa de Lula, o pedido do MPF “busca atenuar as consequências jurídicas decorrentes das grosseiras violações perpetradas contra Lula também nessa ação”. “Buscaremos, por todas as medidas juridicamente cabíveis, que o Tribunal analise o pedido que apresentamos em 04/06/2019 visando à declaração da nulidade de todo o processo, único desfecho compatível para o caso, além do oportuno reconhecimento de que Lula não praticou qualquer crime”, dizem os advogados do petista.

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Entenda os argumentos do MPF e de Lula no caso do regime semiaberto

Outro momento em que a Lava Jato tomou uma decisão inesperada foi quando os procuradores da força-tarefa em Curitiba pediram à juíza Carolina Lebbos que conceda à Lula a progressão para o regime semiaberto.

O pedido foi feito no fim de setembro pelos procuradores que atuam nas investigações, que alegaram que o petista já cumpriu um sexto da pena e apresentou bom comportamento carcerário. Os procuradores também afirmaram, em um posicionamento inédito na Lava Jato, que Lula não precisa pagar a multa de R$ 4,9 milhões para deixar a cadeia. Segundo a força-tarefa, o fato de o petista estar com os bens bloqueados já garante que a multa será paga no futuro. Em geral, condenados precisam quitar multas judiciais para poder progredir de regime.

De novo, a defesa de Lula foi contra o pedido e o petista diz que se recusa a progredir para o regime semiaberto. Lula está preso desde abril do ano passado na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, graças à condenação em segunda instância no processo do tríplex do Guarujá. Os advogados de Lula afirmam que ele só aceita deixar a prisão para ter liberdade plena.

“Uma vez cumpridos os requisitos, normalmente os réus pedem a progressão. Se o réu não pedir, é obrigação nossa, do Ministério Público, pedir”. Foto: Albari Rosa / Tribuna do Paraná

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, explicou o pedido do MPF para progressão de regime de Lula. “O Estado não pode exercer seu poder de prisão para além do que [o condenado] tem direito. Assim, uma vez cumpridos os requisitos, normalmente os réus pedem a progressão. Se o réu não pedir, é obrigação nossa, do Ministério Público, pedir”, disse.

O PT alega que o pedido de progressão foi feito porque o MPF estaria “encurralado” pelas denúncias do site The Intercept Brasil e de outros veículos de imprensa, que vêm publicando mensagens do Telegram atribuídas a Dallagnol, Sergio Moro e outros membros da Lava Jato.

O partido do ex-presidente também alega que o pedido foi uma manobra para se adiantar a uma eventual decisão do STF que poderia beneficiar Lula.  O Supremo tem na pauta uma série de recursos que podem colocar Lula em liberdade. O caso mais adiantado é o julgamento da validade das prisões após condenação em segunda instância, que deve terminar na semana que vem. Se o STF entender que a prisão antes do trânsito em julgado é inconstitucional, o ex-presidente deve ser solto.

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Além disso, o STF também tem à mesa um recurso de Lula que pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Se o Supremo acatar o pedido do ex-presidente, pode anular os processos conduzidos por Moro envolvendo o ex-presidente. Também tramita no STF um recurso para que os procuradores sejam declarados suspeitos para investigar Lula, o que invalidaria todas as provas obtidas pela força-tarefa.

Derrotas da Lava Jato no STF

Lava Jato tem sofrido derrotas significativas no STF neste ano. Foto: Nelson Jr./STF

A Lava Jato tem sofrido derrotas significativas no STF neste ano. A decisão que anulou as condenações de Moro por causa da ordem de entrega das alegações finais foi a mais recente. Um levantamento da Gazeta do Povo mostra que outras 31 sentenças de primeira instância podem ser anuladas com base nesse entendimento. Os ministros ainda vão modular a decisão, para tentar evitar um efeito cascata.

O STF também está julgando a validade da prisão em segunda instância, um tema caro para a Lava Jato. A grande dúvida no julgamento era o voto da ministra Rosa Weber, que foi contra a prisão em segunda instância na semana passada. Com isso, o julgamento deve terminar com a proibição da prisão antes do trânsito em julgado dos processos, a menos que o presidente do STF, Dias Toffoli, mude seu entendimento sobre o tema.

Recentemente, o STF também derrubou, quase por unanimidade – foram 10 votos a 1 – a decisão da juíza Carolina Lebbos que autorizava a transferência de Lula para um presídio estadual em São Paulo. O petista seria transferido para Tremembé, mas os ministros impediram a transferência.

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