A Polícia Civil de Goiás deve encerrar até sexta-feira, 21, os primeiros inquéritos contra o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus. A investigação, que apura 15 casos de abuso sexual, vai apontar que o líder religioso selecionava suas vítimas, normalmente mulheres entre 25 e 40 anos, e usava do desconhecimento das pessoas para fazer parecer que os atos libidinosos eram parte de um atendimento espiritual comum.
No documento, os policiais devem explicar parte do padrão de comportamento do líder religioso com as mulheres que o acusam do abuso. Segundo as investigações policiais, geralmente João de Deus selecionava as potenciais vítimas para um atendimento privativo e, de acordo com os depoimentos, trancava a porta do ambiente em que fazia essa consulta.
A maioria das mulheres relata que, sentado em uma poltrona, ele pedia para que as vítimas se posicionassem de costas, com olhos fechados. E iniciava uma espécie de massagem abdominal nas pacientes. De acordo com os policiais, João de Deus pedia, em seguida, para que as mulheres colocassem os braços para trás e, muitas vezes, repetissem a massagem na barriga dele também, às vezes, sob a desculpa de “passar energia”. A partir daí, o médium praticava os abusos, fazendo com que as mulheres o tocassem nas partes genitais, ainda com os braços para trás e de costas.
É por causa desse comportamento que João de Deus deve ser indiciado por violência sexual mediante fraude, artigo 215 do Código Penal. Na avaliação da Polícia Civil de Goiás, a forma de atuar de João de Deus tinha o objetivo de fazer parecer que essas práticas eram comuns para a “cura” ou a solução dos problemas espirituais que as pessoas traziam.
“É uma situação em que a pessoa está sob fraude, porque ela está sendo enganada de que aquele procedimento é necessário, que aquela energia vai acontecer. Por que ela não grita, não berra, não sai correndo? Primeiro, porque ela está acreditando que aquilo era uma coisa importante (ao procedimento espiritual). Segundo, porque ele fazia de costas, numa penumbra. Elas ficavam confusas quando estavam tocando (nos genitais do médium)”, explicou a delegada Karla Fernandes, coordenadora da força-tarefa e responsável pelas oitivas com as testemunhas.
Muitas vezes, essas vítimas procuravam o médium porque queriam conseguir engravidar ou ainda tentavam restabelecer algum relacionamento amoroso, com o ex-marido, por exemplo. Quando as mulheres faziam menção de interromper o abuso — algumas delas choravam, outras relataram terem ficado paralisadas — João de Deus usava a fé para convencê-las do contrário. Ele argumentava, por exemplo, que elas não queriam, de fato, engravidar, por isso não permitiam o atendimento espiritual.
Em outros casos, o líder religioso dizia que as pacientes não iam se livrar da “maldição” que as acometia porque estavam resistentes. “Quando a pessoa sentia que estava ruim, pedia para ele parar e ele começava as maldições: ‘você não está querendo mesmo’, ‘você não quer engravidar’. Se você está naquela situação, sente que é culpado de alguma coisa, fica meio em dúvida (sobre os abusos). O silêncio perdurou muito até pela falta de conhecimento (sobre atendimento espiritual) e pelo próprio temor, muitas relatavam: ‘Se eu gritar, tem 300 pessoas que o idolatram, quem vai acreditar'”, contou Karla.
O inquérito policial deve explicar ainda que o médium tem uma personalidade dominadora e forte poder de persuasão. “O lado de líder espiritual tinha um domínio muito grande (sobre as pessoas), a ponto de familiares que tiveram conhecimento dos abusos desacreditarem das próprias vítimas e continuarem frequentando (a Casa Dom Inácio de Loyola). Como você pode julgar e dizer que essas mulheres deveriam ter falado há muito tempo? Elas falaram para pessoas próximas e pessoas próximas não deram credibilidade. Por ausência de conhecimento e por uma fé cega acreditaram que era o procedimento. Quando a gente entra naquilo do mistério, não existe um protocolo”, disse a delegada.
Por meio de seus advogados, o médium nega que tenha cometido abusos. Sua defesa recorreu ao Judiciário e pediu habeas corpus para tentar a soltura de João de Deus, que se entregou à polícia no último domingo. Outra estratégia da defesa é analisar “o contexto” das denúncias contra seu cliente para saber se o depoimento de algumas mulheres têm “crédito ou não”.