Quem vê Anna Caroline Boyd Martine, 38, na condução do famoso bondinho do Pão de Açúcar, na Urca, zona sul do Rio de Janeiro, talvez não imagine que ela já tenha sofrido com medo de altura.
“Antes de trabalhar no bondinho, já tinha vindo a shows aqui no Pão de Açúcar. Mas morria de medo de altura. Mal abria o olho dentro do bondinho”, lembra Anna Caroline, dando risada.
Em novembro de 2021, já com o trauma de altura superado, ela entrou para a história do cartão postal carioca. Na ocasião, tornou-se a primeira mulher a trabalhar como operadora de cabine do teleférico em 109 anos do parque, indica a empresa que administra o ponto turístico.
Em outras palavras, a profissional é uma das responsáveis por transportar os visitantes no bondinho, função que até então era ocupada somente por homens.
O sobe e desce do teleférico é controlado por Anna Caroline em um painel com botões coloridos, instalado na parte interna da cabine, ao lado das portas. No total, 21 profissionais estão aptos a exercer essa função.
“Estou vindo conquistar o meu espaço. Não quero tirar o lugar de ninguém. Meu pensamento é esse. Tem sido tranquilo porque fui muito bem recebida pelo pessoal”, afirma.
Antes de ocupar a vaga de cabineira, Anna Caroline trabalhou como atendente operacional do bondinho. Tinha entre as atribuições o controle do número de passageiros e o auxílio no embarque e desembarque.
Segundo Anna Caroline, o primeiro trabalho no cartão postal carioca fez o medo de altura ficar para trás. Do bondinho, é possível avistar, por exemplo, o Cristo Redentor, a enseada de Botafogo e as praias Vermelha e de Copacabana.
“Queria trabalhar perto da natureza”, conta. “Então, quando surgiu a primeira oportunidade, pensei que não poderia deixar a chance passar por causa do medo.”
Ela relata que exerceu a função de atendente entre agosto de 2019 e junho de 2020, quando foi desligada devido aos impactos da crise do coronavírus no setor de turismo.
Para seu alívio, foi recontratada para a antiga função no final do mesmo ano. A trabalhadora continuou como atendente até migrar para o cargo de operadora de cabine em novembro de 2021.
Para ocupar a vaga atual, ela precisou ser aprovada em um período de testes teóricos e práticos realizados no parque. Essas atividades, diz, preparam os operadores para atribuições básicas até casos de emergência no bondinho –o que, felizmente, não foi vivenciado até o momento pela trabalhadora.
Segundo ela, mulheres que visitam o Pão de Açúcar se sentem representadas ao vê-la no comando do teleférico.
“Até teve um episódio em que um senhor me olhou e perguntou se seria eu que conduziria o bondinho. Aí, a esposa deu uma chamada nele, disse algo como: ‘Claro que é. Por que não?’. Quem faz esse comentário fica sem graça porque quem está em volta compra o barulho”, afirma.
Anna Caroline é formada em serviço social. As lições do curso são usadas em atividades voluntárias, conta a operadora, que se apresenta como uma pessoa “extremamente extrovertida”. Dona de um sotaque carioca carregado, ela gesticula bastante e sorri com frequência.
Em cerca de 40 minutos de entrevista, só mudou o semblante uma vez, ao lembrar-se do pai, que já morreu.
“Meu pai foi criado aqui na Urca [bairro onde fica o bondinho]. Ele amava o Pão de Açúcar e o Rio. Nunca tive a oportunidade de visitar o bondinho com ele”, conta.
“Quando vim para cá, tudo isso foi somado. O lugar era muito especial para ele”, emenda a operadora, que conheceu o noivo durante o trabalho no parque.
O bondinho comemora 110 anos em outubro de 2022. Em média, transporta 1,6 milhão de pessoas por ano e emprega 239 funcionários, segundo a empresa que cuida do ponto turístico.
O parque é formado pelos morros da Urca e do Pão de Açúcar. Interligados pelo teleférico, permitem aos turistas uma visão da zona sul do Rio em uma altura de até 396 metros acima do nível do mar.