Naquele dia, Maekl Fares atrasou alguns minutos para sair de casa, em Damasco, capital síria, e perdeu o ônibus da escola. Ao chegar lá, viu o amontoado de destroços. Uma bomba havia atingido o colégio. “Vi amigos com as pernas amputadas, amigos mortos… Por pouco, não era eu ali”, conta o menino de 13 anos, que fugiu da Síria há dez meses com os pais e a irmã, de 17, para morar em São Paulo.
O primeiro Natal em solo brasileiro foi comemorado na casa de uma família até então desconhecida. Irmã de Maekl, a jovem Anjila Fares inscreveu os quatro no projeto Meu Amigo Refugiado, que neste feriado propôs a integração entre imigrantes e brasileiros. Nas ceias, as mesas reuniram, além de sírios, imigrantes cubanos, costa-marfinenses, marroquinos, nigerianos, venezuelanos, palestinos, colombianos, gambianos e congoleses.
A família síria foi escolhida pela professora Fernanda Nunes, de 30 anos, que soube do projeto pelas redes sociais, imediatamente fez o cadastro da própria casa e foi selecionada entre tantos outros interessados. “Topei o projeto porque me coloquei no lugar deles, em um país com língua e cultura diferentes. Quero apoiar a Anjila, dizer que ela não precisa ter medo e ganhou uma amiga”, conta.
Banquete de fim de ano. As duas trocaram e-mails na semana passada e marcaram o almoço natalino para ontem. Pela manhã, a família síria, que é católica, foi à Igreja. Para recebê-los, a mãe de Fernanda, a doméstica Edna Alves, de 49 anos, preparou um banquete: lasanha, chester, lagarto, salada de maionese, farofa, arroz e feijão. De sobremesa, doce de alpino com chantilly, bolo de chocolate e maria-mole. “Preparei toda essa comida com o mesmo carinho que eu sei que essa família teria se fôssemos nós, refugiados, na Síria”, diz Edna.
Quando o noivo da anfitriã, o despachante Jean Carlo da Silva, de 33 anos, deixou o apartamento para buscar os convidados em uma estação de metrô, na zona leste da capital paulista, o prédio inteiro já sabia do encontro. “Olha lá, o Jean está indo buscar os sírios”, cochichou um vizinho.
Anjila, Maekl e os pais, o ourives Elias Fares, de 46 anos, e a dona de casa Rula Karabitian, de 36, subiram os dois andares até o apartamento e foram recebidos com abraços da família brasileira – que comprou até pimenta árabe para temperar o almoço. A jovem de 17 anos, que fez curso de português já em São Paulo, serviu de intérprete.
Maekl arranha na língua e lamenta ainda não ter feito tantos amigos para praticar. Entre uma conversa e outra, Anjila aprendeu o significado da palavra “adaptação” e quis saber, dos anfitriões, como o brasileiro comemora o réveillon e o motivo de jogar flores no mar na passagem de ano.
Os quatro moram na Armênia, na região central, e Anjila por enquanto é a única que trabalha. Encontrou emprego em uma loja de sapatos em um shopping. E em breve quer começar a estudar para ser juíza. O pai chegou a trabalhar de ourives na capital, mas só ficou três meses. Já Rula busca trabalho como cozinheira.
Do zero
Logo que juntar algum dinheiro, a família pretende trazer os avós de Anjila e Maekl, que ficaram na Síria, para morar em São Paulo. “Sinto saudade das minhas amigas. Amo a Síria. Mas lá a gente saía de casa sem saber se conseguiria voltar. Já quis muito voltar para o meu país, mas agora não mais. Vamos começar do zero”, diz Anjila. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.