Patrimônio Mundial da Humanidade, o Cais do Valongo, no Centro do Rio, ficou completamente alagado com a forte chuva que caiu na cidade na véspera do Natal. A drenagem da água começou por volta das 8h30 desta terça-feira, 25, e se estendeu por toda a manhã.
Estima-se que mais de dois milhões de africanos escravizados tenham entrado no Brasil pelo Cais do Valongo, ao longo de 300 anos de tráfico negreiro. É o único sítio da ONU nas Américas relacionado diretamente à escravidão.
Segundo informações do Centro de Operações da Prefeitura, o bairro da Saúde, onde fica o Cais do Valongo, foi o segundo lugar onde mais choveu no município no dia 24. Entre 12h15 e 14h15 foi registrada uma precipitação de 59,8 mm – que corresponde a 41% da média histórica do local para todo o mês de dezembro.
O sistema de drenagem do sítio histórico estava funcionando, segundo a Prefeitura. Mas o volume de água teria excedido a capacidade de escoamento. Além disso, o sistema foi afetado pela grande quantidade de lixo carreado pelas águas. Uma equipe da Comlurb está no local desde cedo para a retirada do lixo.
O município voltou ao estágio de normalidade na manhã desta terça-feira. O Rio estava em estágio de atenção desde às 12h40 da véspera de Natal, por conta das chuvas moderadas e ocasionalmente fortes. O bairro onde mais choveu foi São Cristóvão, próximo à região central da cidade, com 81,8mm, o correspondente a 51,4% da média histórica do local para dezembro.
A Prefeitura anunciou que tem início previsto para janeiro uma série de intervenções no Cais do Valongo, que inclui aprimoramento do sistema de drenagem, restauração do pavimento original de pedras, além do reforço estrutural de paredes, fundações e superestrutura do sítio.
As intervenções estão previstas para durar dois anos e atendem à primeira etapa dos compromissos assumidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Governo Federal e Prefeitura com a Unesco. O dinheiro para o trabalho vem de um patrocínio acertado com o governo americano, no valor de R$ 2 milhões.
Durante os trezentos anos do regime escravocrata no Brasil, entre os séculos XVI e XIX, o país recebeu 40% de todos os africanos que chegaram vivos às Américas, boa parte deles pelo Cais do Valongo. Estima-se que um milhão de escravos tenham entrado no país por ali, entre 1774 e 1831 – muito mais gente do que recebeu os Estados Unidos (cerca de 400 mil), por exemplo, em toda a sua história de tráfico.
Diferentemente de outros 20 sítios no Brasil reconhecidos pela ONU, o Cais do Valongo foi eleito Patrimônio da Humanidade, não apenas por seu valor arqueológico, arquitetônico e histórico, mas, principalmente, por formarem um local considerado de “memória sensível” – mesmo caso, por exemplo, do campo de extermínio nazista de Auschwitz, na Polônia. Um local, portanto, de sofrimento, símbolo de um crime contra a humanidade.
Em 1843, doze anos depois do fim oficial do tráfico negreiro, o antigo cais foi soterrado e reconstruído para receber a princesa Teresa Cristina, mulher do imperador Dom Pedro II, ganhando o novo nome de Cais da Imperatriz. Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade comandadas pelo então prefeito Pereira Passos, o Cais da Imperatriz foi aterrado.
Embora sua localização estivesse demarcada por uma placa e um obelisco, foi somente durante as escavações realizadas em 2011, por ocasião das obras do Porto Maravilha, que os antigos resquícios do Cais do Valongo foram redescobertos. No ano passado, ele foi anunciado Patrimônio da Humanidade.