Foto: João de Noronha/O Estado |
Governo Lula repassou R$ 6,2 bilhões para instituições privadas. |
Passados mais de 13 anos desde o escândalo dos anões do Orçamento, deputados e senadores continuam utilizando o poder de apresentar emendas ao projeto orçamentário da União para desviar recursos públicos, sob os olhares complacentes das autoridades. O novo caminho do ouro passa pelas milhares de entidades privadas, ditas "sem fins lucrativos", que foram criadas nos últimos anos na expectativa de se beneficiar do dinheiro farto liberado pelo governo federal para convênios de todos os tipos.
Em três anos e 4 meses, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já repassou R$ 6,2 bilhões para instituições privadas de diversas naturezas. Só em 2005, foram R$ 2,5 bilhões – um acréscimo de 65% em comparação a 2003, de acordo com levantamento feito pela organização não governamental (ONG) Contas Abertas no sistema de administração financeira da União, o Siafi.
Quase 40% desse valor tem partido dos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, que se tornaram um oásis para ONGs e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs). Muitas delas prestam inegáveis serviços à população mais carente e às comunidades em que atuam, mas outras se escondem por trás de uma sigla da moda para traficar interesses de grupos particulares – empresariais e políticos.
É o caso de uma rede de instituições sediadas no Rio de Janeiro que, segundo indícios apurados pela Polícia Federal, vinha sendo utilizada por parlamentares fluminenses e também de outros estados para desviar recursos federais. O ato mais ousado do grupo, encabeçado pelo ex-líder do PSB na Câmara, Paulo Baltazar, foi obter no início deste ano a liberação de R$ 3,3 milhões do Finep, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pelo financiamento de projetos de pesquisa do país, para três entidades assistenciais.
O Instituto Amor pela Vida, o Instituto Brasileiro de Cultura e Educação (Ibrae) e o Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento de Qualidade (Intedeq) candidataram-se ao financiamento da Finep para participar do projeto de "Integração Digital Itinerante", que prevê a oportunidade de acesso à internet de comunidades carentes. As três entidades eram contempladas por emendas parlamentares ao Orçamento da União, mas nenhuma delas tinha capacitação para "metodologias e técnicas da computação", como exigia a Finep. Isso não impediu, entretanto, que elas rapidamente obtivessem aprovação de seus projetos por parte da área técnica do órgão. Os convênios foram assinados praticamente em bloco, entre os dias 13 e 17 de janeiro, e o dinheiro foi liberado nos primeiros dias de fevereiro – tempo recorde para a administração pública.
De acordo com os dados do Siafi reunidos pela ONG Contas Abertas, as notas de empenho para "aquisição de equipamentos" foram emitidas em janeiro, sem autorização orçamentária prévia. Pelo menos sete deputados podem ter dado suporte ao esquema no Rio com suas emendas: Elaine Costa (PTB-RJ), João Mendes de Jesus (PSB-RJ), Reginaldo Germano (PP-BA), João Batista (PFL-SP), Edna Macedo (PTB-SP), Eduardo Seabra (PTB-AP) e Paulo Baltazar (PSB-RJ) – tido como o principal articulador do grupo, tendo em vista a posição que ocupava na época, como líder do partido do ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.
Pelo menos uma das três entidades fluminenses, o Intedeq, é citada nos relatórios da Polícia Federal como parceira do empresário mato-grossense Darci Vedoin, preso sob acusação de fraudar licitações na área de saúde. Além de ambulâncias, ela também montava os ônibus digitais financiados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e fornecia microônibus escolares para prefeituras.
Orçamento: reprise de um velho e péssimo filme
Belo Horizonte (AE) – "Estamos assistindo a reprise de um filme já visto", afirma o deputado distrital Augusto de Carvalho, referindo-se ao escândalo que originou a CPI do Orçamento, em 1993. "Lembro que as entidades filantrópicas sangravam o Orçamento exatamente como fazem agora com as OSCIPs. E o Congresso continua inerte."
Um dos indícios de que os parlamentares recebiam propina do esquema da Planam, segundo procuradores, é que vários deles apresentavam emendas beneficiando outros estados que não os seus. Foi o caso do Intedeq do Rio, contemplado por emendas de deputados da Bahia, Tocantins e São Paulo. E é também o caso do deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), segundo secretário da Câmara. Além de controlar uma OSCIP – a Associação Rural Canaã – que adquiria (com recursos de emendas) as ambulâncias da família Vedoin para distribuir em Rondônia, ele também apresentava emendas em favor de municípios de estados vizinhos, como o próprio Mato Grosso.
Em Minas Gerais ocorria algo semelhante com a Fundação Cristiano Varella, do empresário e deputado Lael Varela (PFL). Apesar de ser de um partido de oposição, ele já votou várias vezes a favor do governo Lula no Congresso, como na decisão sobre o salário mínimo, em 2004. Em troca, já recebeu R$ 16,3 milhões do Ministério da Saúde, graças não só a suas emendas como também de parlamentares amigos: Leonardo Mattos (PV-MG), Isaías Silvestre (PSB-MG) e Gilberto Nascimento (PMDB-SP). "Eu não conheço o hospital da fundação, mas as pessoas que conhecem dizem que é um hospital de primeiro mundo", justifica o paulista Nascimento.
Documentos sigilosos do Finep (Financiamentos de Estudos e Projetos) obtidos exemplificam como o governo faz vista grossa às irregularidades que ocorrem com recursos destinados para emendas parlamentares. Entre dezembro de 2005 e janeiro de 2006, três entidades assistenciais que nada têm a ver com pesquisa no País, como o Instituto Amor pela Vida (IAPV), obtiveram do órgão federal – uma espécie de BNDES da Ciência e Tecnologia – a liberação de R$ 3,3 milhões para desenvolver em municípios do Rio o projeto de "Integração Digital Itinerante".