Laudo médico, cirurgia de mudança de sexo marcada e até autorização de cônjuges têm sido exigidos por juízes de todo o País para autorizar a mudança de nome de transexuais. Em tempos em que a Parada Gay traz às ruas de São Paulo o lema Eu nasci assim, eu cresci assim, eu vou ser sempre assim: respeitem-me!, a alteração do registro civil de um transexual é duas vezes mais difícil do que para qualquer outro cidadão.
Preconceito no dia a dia e resistência da Justiça para mudar o nome e ajustá-lo à sua identidade de gênero travam ainda mais a vida de transexuais como Anita Julia Madureira, de 30 anos. “Na escola, fui até ameaçada de morte por um transfóbico. Sofria agressões o tempo todo”, lembra ela, que, identificada como mulher desde a adolescência, só conseguiu no fim do ano passado reescrever, com autorização judicial, seu nome no RG, CPF e demais documentos, após seis anos de espera.
A estatística sobre os obstáculos para transexuais está em levantamento feito pelo Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Geds-USP), que analisou 363 acórdãos sobre o tema em tribunais estaduais de todo o País. Desses processos, 89 se referem a pedidos feitos por transexuais e também heterossexuais, cujos nomes não correspondem ao gênero ou são ambíguos – como Darci.
Enquanto 30% dos transexuais tiveram pedidos indeferidos, a recusa geral na Justiça é de apenas 15%. Na maior parte dos casos analisados pelo levantamento com processos de 2005 a 2012 (77%), os deferimentos só foram concedidos a quem já tinha a cirurgia de mudança de sexo marcada.
O caminho da cirurgia, porém, é longo. A fila de espera da operação no Sistema Único de Saúde (SUS) chega a dez anos. Apenas dois equipamentos no Estado de São Paulo fazem o procedimento. Só para marcar a primeira atendimento, Anita, por exemplo, esperou seis meses. O atestado saiu quatro anos mais tarde. Já a sentença do juiz levou mais um ano para ser proferida – em dezembro.
Durante a espera, a transexual relata mais discriminação. “Trabalhava em um call center e me deixaram três meses sem fazer nada. Estava isolada e sem exercer nenhuma função. Depois, me demitiram.” Segundo Anita, seus chefes se recusavam a chamá-la pelo nome feminino. Isso porque havia sido o primeiro emprego com a carteira registrada que conseguira, só aos 27 anos. Anita ainda conta que, quando jovem, precisou mudar de escola cinco vezes por causa do bullying, e o ensino médio só concluiu aos 23.
Mais laudo. Há casos em que há exigência de um segundo laudo, produzido por um perito designado pela Justiça, além do atestado do SUS. Áurea Maria de Oliveira Manuel, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, diz que o procedimento é comum. “Não basta juntar um laudo particular feito em hospital público. Eles também pedem uma perícia oficial”, explica, o que retarda ainda mais o fim do processo.
Para o advogado do Geds Thales Coimbra, as exigências da Justiça são “absurdas”. “Não acreditamos que o laudo é essencial para aferir a transexualidade da pessoa”, afirma ele.
Variações
Outra constatação do levantamento da USP é que as decisões variam de região para a região. Os Tribunais de Justiça do Rio (TJ-RJ) e do Rio Grande do Sul (TJ-RS) lideraram em deferimentos – 76,5% e 85,7% dos casos envolvendo transexuais, respectivamente. São Paulo, o último da lista, acatou apenas 37,5% dos pedidos feitos por transexuais.
Hoje, o prenome pode ser alterado em casos de “exposição ao ridículo” e “existência de apelido público notório” – nome social -, mas não há legislação que discipline sobre a troca de nome de transexuais, abrindo margem a interpretações e exigências diversas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.