O procurador-geral da República Rodrigo Janot disse que ‘não é possível, com base no denominado direito ao esquecimento, limitar o direito fundamental à liberdade de expressão por censura ou exigência de autorização prévia’. Em parecer ao Supremo Tribunal Federal, Janot se manifestou contra o Recurso Extraordinário de familiares de Aída Jacob Curi, estuprada e assassinada brutalmente aos 18 anos de idade em julho de 1958 em Copacabana.

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Janot destaca que ‘esse direito ainda não foi reconhecido ou demarcado no âmbito civil por norma alguma do ordenamento jurídico brasileiro’. Para ele, também não existe direito subjetivo a indenização pela lembrança de fatos pretéritos.

O recurso foi ajuizado contra transmissão da TV Globo sobre a morte de Aída Curi – irmã dos autores da ação – no programa Linha Direta – Justiça. Com o recurso, eles buscam indenização por danos materiais e morais.

Para os familiares de Aída, ao transmitir imagens não autorizadas das circunstâncias da morte da irmã, a emissora ofendeu o chamado ‘direito ao esquecimento’. Segundo eles, a observância desse direito, que deriva dos direitos constitucionais à dignidade, à honra, à imagem e à vida privada, impediria a emissora de publicar acontecimentos ocorridos há décadas, sem autorização prévia e em prejuízo deles.

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Rodrigo Janot destaca que a Constituição ‘proíbe toda espécie de censura ou licença prévia nos meios de comunicação, inclusive no rádio e na televisão’. Segundo ele, a própria Constituição estabelece limites ao exercício das liberdades fundamentais, cabendo às emissoras de rádio e televisão a observância dos princípios que norteiam o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos cidadãos. Em caso de descumprimento, há a previsão de condenação dos responsáveis e reparação de danos materiais e morais, além do direito de resposta proporcional ao dano.

“Não há respaldo constitucional para impedir ou restringir previamente a veiculação de programas de rádio e de televisão”, afirma o procurador. Ele argumenta que ‘a atuação de órgãos no sentido de impedir ou de limitar programas radiofônicos ou televisivos antes da publicação caracterizaria censura prévia, expressamente vedada pela Constituição’.

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Janot assinala que ‘somente a posteriori, ou seja, após divulgação do conteúdo produzido pela emissora, cabe verificar se, excedidos os limites das liberdades comunicativas, houve violação a direito fundamental e averiguar dano apto a ensejar indenização ou a direito de resposta, proporcional ao agravo’.

O procurador-geral destaca que ‘o reconhecimento de um direito subjetivo a esquecimento poderia ser utilizado como pretexto para determinadas pessoas pedirem indenização por danos materiais e morais de forma indevida, bastando afirmar que as obras nas quais foram retratadas lhes causaram lembranças penosas’.

Janot afirma que, em alguns casos, direito a esquecimento significa impedir o direito à memória e à verdade por vítimas de crime, inclusive de graves violações de direitos humanos perpetradas por agentes estatais.

“É arriscado para a sociedade aplicar de forma excessivamente ampla a noção de direito a esquecimento”, alerta. “Equivaleria à verdadeira supressão de registros históricos, informáticos e jornalísticos, e beneficiaria aquelas pessoas, mas prejudicaria os demais cidadãos, que se veriam privados do acesso à informação, igualmente um direito constitucional, e deparariam com forma de censura, constitucionalmente proibida.”

“Com essas considerações, não se pretende negar a existência do direito a esquecimento nem apontar sua incompatibilidade com a Constituição. Pretende-se apenas apontar que o reconhecimento de um suposto direito a esquecimento, tanto no âmbito penal como no civil, não encontra na jurisprudência nem na doutrina parâmetros seguros de definição, sem atuação do legislador”, conclui.