Para intelectuais, PT já não é mais o mesmo

São Paulo – A política monetarista de juros altos, o aumento do superávit, a austeridade fiscal e outras medidas de cunho conservador aplicadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros sete meses de governo demonstram que a esquerda brasileira não é mais a mesma. Intelectuais concordam que o PT deu uma guinada rumo ao centro e está se aproximando cada vez mais do PSDB.

Para o sociólogo Francisco de Oliveira, um dos mentores teóricos e fundadores do PT, os conceitos acadêmicos vigentes de esquerda e direita já não são suficientes para explicar as transformações do socialismo moderno. Segundo Oliveira, o papel da esquerda atual é promover a distribuição da riqueza acumulada pelo capitalismo.

Com outras palavras, o filósofo José Arthur Gianotti, amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, elabora uma teoria semelhante: “A esquerda no poder está gerindo o capitalismo e impedindo seus malefícios naturais. O governo Lula não é um governo de esquerda tal como tínhamos imaginado que seria a esquerda no poder. Mas é uma tentativa muito séria de fazer um governo social-democrata”, afirma.

Segundo os dois intelectuais, é evidente a caminhada do PT rumo ao centro. Na opinião de Gianotti, a tendência é o PT se transformar em um partido de centro-esquerda, depois de um processo de purgação interna. Segundo o filósofo tucano, o PT está se aproximando mais a cada dia do PSDB e caminha para uma aliança com o ex-adversário.

Desiludido com o início do governo Lula, Francisco de Oliveira concorda com a tese de aproximação entre PT e PSDB, mas tem uma visão pessimista do fenômeno. “Lula não está fazendo um governo de esquerda. É o ano número nove do governo de Fernando Henrique. PT e PSDB estão se aproximando muito”, disse o sociólogo. De acordo com o fundador do PT, a nova esquerda está dentro do próprio PT, em setores do PCdoB e nos movimentos sociais como os dos sem-terra e dos sem-teto.

Para Oliveira, o primeiro passo rumo à esquerda verdadeira é a distribuição da riqueza produzida pelo capitalismo. “Temos que pregar a socialização mais radical possível da riqueza como primeiro passo para a transição, e então subverter pela base a questão da propriedade. O Fome Zero é a radicalização da pobreza”, diz.

Guinada é natural, afirmam europeus

Brasília

– Reunidos esta semana na Universidade de São Paulo (USP) para um seminário internacional sobre os rumos do esquerda no mundo, promovido pela Fundação Perseu Abramo, braço intelectual do PT, o professor Marcel Van Der Linden, do Instituto Internacional de História Social da Holanda, e o prefeito de Lyon (França), Gerard Collomb, mostraram, por meio das experiências dos governos socialistas da França e do Norte europeu no início da década de 70, que é natural a guinada dos partidos de esquerda rumo ao centro quando chegam ao poder.

O assessor especial de Lula para política internacional, Marco Aurélio Garcia, disse que o Brasil talvez esteja assistindo, com atraso, uma mudança no cenário político semelhante às que foram relatadas por Van Der Linden e Collomb. “O dilema é se a esquerda fará um governo para terminar como o do Salvador Allende (presidente chileno socialista deposto por um golpe militar e assassinado em 1973) ou se será acusada de trair suas propostas. Pessoalmente, já fiz minha escolha, mas não vou dizer qual é”, afirmou.

Esquerdista de carteirinha, ex-guerrilheiro e avesso às críticas de que o PT segue a passos largos em direção a uma posição de centro, o presidente nacional do partido, José Genoino, foi irônico ao falar dos que, segundo ele, vivem numa esquerda de “teses e reflexões”.

Um dos fundadores do PT, ele argumentou que basta acompanhar a trajetória dos partidos que sempre fizeram oposição aos governos anteriores para entender melhor o papel da esquerda no Brasil. Mas admite: a esquerda não governa sozinha e as alianças são fundamentais. “Não podemos ter uma esquerda impotente. Não adianta só refletir e fazer teses sobre a reflexão que não deu certo”, considera.

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