Cidade do Vaticano – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter passado seus três dias em Roma, na semana passada freqüentando igrejas e tentando provar sua religiosidade, mas parece não ter convencido o cardeal dom Eugênio Salles, ex-arcebispo do Rio de Janeiro e muito próximo ainda hoje da cúpula do Vaticano. O cardeal presidiu ontem a missa organizada pela Santa Sé em homenagem ao papa João Paulo II e comparou o pontífice com o trabalho feito por Jesus ao revelar o cristianismo.
Mas terminada a missa, dom Eugênio, de 84 anos, recebeu os jornalistas brasileiros em seus aposentos e não escondeu sua avaliação sobre a fé de Lula. ?Ele (o presidente) não é um cristão modelo?, afirmou o cardeal. Na semana passada, ao desembarcar em Roma para os funerais do papa, o atual arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eusébio Scheid, afirmou que Lula não era católico, mas ?caótico?. Sua queixa era contra as posições tomadas pelo presidente em relação ao aborto e a grupos sexuais.
No dia seguinte, foi a vez do arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, sair em defesa do presidente. Segundo o arcebispo de São Paulo, um dos mais cotados para se tornar o próximo papa, Lula é um cristão ?a seu modo?, como muitos outros no Brasil. Um dia após a polêmica, foi a vez de Lula chegar a Roma.
O presidente, nos três dias na capital italiana, foi a três igrejas, pregou o despojamento na Igreja de São Francisco de Assis e ainda comungou. Para completar, afirmou aos jornalistas que era um homem ?sem pecados?.
Dom Eugênio não concorda com essa avaliação feita por Lula sobre a ausência de pecados. ?Isso não é verdade?, disse o cardeal, insistindo porém que não gostaria de se alongar sobre esse tema, pois era um homem que ?construía? relações. Mas lembrou que o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, também havia recebido em seu escritório grupos de homossexuais.
Ele ainda insinuou ter sido contra o fato de Lula ter comungado durante o funeral do papa. ?Está errado isso, mas temos que ver o que ocorreu dentro da pessoa e se na comunhão ele se arrependeu?, explicou, lembrando que não há como saber se esse arrependimento ocorreu. Mesmo assim, dom Eugênio acredita que a viagem de Lula ao Vaticano ?foi positiva?.
O religioso lembra que já esteve com o presidente Lula em um evento no Rio de Janeiro e que foi tratado de forma ?muito cordial?. Mas admitiu que não mandou um telegrama ao presidente no dia de seu aniversário. ?Eu sou uma pessoa muito independente?, disse. Ele ainda conta que chegou a convidar o general João Baptista Figueiredo, último presidente militar do Brasil, para um de seus aniversários, mas deixou claro que o general não comungou. Dom Eugênio não se considera ?conservador nem avançado?. ?Eu sou um pastor?, completou.
Durante a missa assistida por fiéis que lotavam a Basílica de São Pedro, o cardeal brasileiro fez questão de apontar como João Paulo II trabalhou para ?revelar? a fé em Deus da mesma forma que Jesus teria feito.
Emoção durante missa ao pontífice
Cidade do Vaticano – Dom Eugênio Salles não escondeu sua emoção em ter celebrado a missa ao lado de dois dos principais pilares do período de transição da Santa Sé, o decano do Colégio de Cardeais, Joseph Ratzinger, e o ex-secretário de Estado do Vaticano, Angelo Sodano. também não ocultou sua admiração pelo cardeal Ratzinger. ?João Paulo nos ensinou fidelidade à vida de Cristo e proclamou continuamente a dignidade de todas as pessoas?, afirmou o brasileiro durante a celebração em seu italiano com sotaque português. Para ele, a prova do poder de João Paulo ficou clara quando o atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e ex-chefes de Estado norte-americanos ajoelharam-se diante do corpo de João Paulo II um dia antes do funeral. ?No mundo de hoje, com o terrorismo, aparece alguém que mesmo morto fez mais do que vivo?, disse dom Eugênio, que acredita que os funerais do papa estão beneficiando todas as religiões.
Durante a missa, o único cardeal brasileiro a não comparecer foi dom Claudio Hummes. Seus assessores informaram que estava de novo com um resfriado e que preferiria se resguardar para os próximos dias de intensos debates no Vaticano. Hummes é cotado como um possível candidato ao posto de papa.
Os demais cardeais brasileiros que estão nesses dias no Vaticano, entre eles dom Geraldo Majella, estiveram na missa. Após a celebração, os cardeais visitaram a cripta da Basílica de São Pedro, onde uma missa ocorreu diante do túmulo de João Paulo II. A cripta será aberta à visitação pública hoje. Além dos cardeais, o túmulo foi visitado pelas irmãs que cuidaram do papa no seus últimos anos de vida.