Papa cita hipocrisia religiosa e desfiguração da Igreja

Em sua primeira aparição pública depois de anunciar que vai deixar o cargo no próximo dia 28, o papa Bento XVI citou, na quarta-feira (13), a “hipocrisia religiosa”, afirmando que “a divisão do clero” e “a falta de unidade” estão “desfigurando a Igreja”.

 

Bento XVI falou, pela manhã, durante a audiência geral no Vaticano e, à tarde, na missa de quarta-Feira de cinzas – a última que celebrou na Basílica de São Pedro. Na audiência, ele disse que sua renúncia – a primeira de um papa em 600 anos – foi para o “bem da Igreja”. Mais tarde, na homilia, diante de cardeais, o pontífice citou os que estariam “instrumentalizando Deus” para a obtenção de “prestígio pessoal e poder”.

 

Em sua edição de quarta-feira (13), o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a renúncia de Bento XVI estaria relacionada não apenas à sua suposta fragilidade física, mas à disputa de poder dentro da Igreja – que seria liderada por Tarcisio Bertone, o número 2 do Vaticano -, que o deixou isolado. Para frear um governo paralelo, Bento XVI optou por desfazer seu pontificado e convocar novas eleições.

 

Na quarta-feira (13), Bento XVI deu indicações de que a divisão da Igreja pesou em sua decisão. O clima na Basílica de São Pedro durante a missa não foi de festa. Ao chegar ao altar construído sobre o túmulo do apóstolo Pedro, a monumental construção parecia diminuir ainda mais o já fragilizado papa. Mas bastou ele dar sua mensagem para que sua voz frágil mandasse um dos recados mais fortes que já ecoaram nos últimos anos nos afrescos e pilares de dimensões desproporcionais da basílica.

Seu alvo foi o grupo de cardeais que provoca discórdia dentro da Igreja Católica e teria provocado uma guerra interna. “O rosto da Igreja às vezes é desfigurado”, disse o papa. “Penso em particular nos pecados contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial.” O pontífice afirmou que ela deve superar “individualismos e rivalidades”, especialmente no tempo da Quaresma – período de 40 dias antes da Páscoa em que os cristãos intensificam a oração, a esmola e o jejum.

Durante sua homilia, o papa citou texto do apóstolo Paulo no qual diz “Eis o momento favorável, o dia da salvação” e o aplicou ao momento atual, em que há uma urgência de mudanças “que não admitem ausências ou inércias”, pois a unidade da Igreja está ameaçada. Trata-se de uma ocasião única e irrepetível para a reconciliação, disse o papa, de modo que é necessário que os cristãos retornem a Deus “com todo o coração”.

 

Bento XVI completou a crítica à desunião na Igreja, à busca pelo poder e à instrumentalização da fé recordando que, no texto bíblico, Jesus denuncia a “hipocrisia religiosa, o comportamento que quer aparecer, as relações que buscam o aplauso e a aprovação”. Em vez disso, o verdadeiro cristão “não serve a si mesmo ou ao público, mas ao seu Senhor, na simplicidade e na generosidade”.

Não distante dele estavam dezenas de cardeais, bispos e membros do corpo diplomático que não disfarçavam o mal-estar. Ao terminar a missa, muitos deles se recusaram a falar com a imprensa, visivelmente abatidos.

O cardeal Giovanni Lajolo, presidente emérito da Pontifícia Comissão para a Cidade-Estado do Vaticano, admitiu ao jornal O Estado de S. Paulo que a mensagem de Bento XVI foi surpreendente: “Ficamos sem palavras. Ele mostrou uma profunda intimidade com Deus”, declarou o italiano, que participará do próximo conclave – marcado para ocorrer a partir do dia 15 de março. Já o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que recebeu a mensagem de unidade na Igreja proferida pelo papa “com o coração aberto”.

 

‘Poder mundano’

Antes, pela manhã, Bento XVI deu a primeira parte de seu recado, na audiência pública que realizou com grupos de todo o mundo. “Não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade e do amor”, declarou. A mensagem, voltada a todos os cristãos do mundo, no atual contexto pareceu ser mais destinada àqueles que pretendem fazer da Igreja um lugar de “poder mundano”.

Referindo-se às ambições de poder de todo ser humano, o papa fez uma analogia com as tentações que Cristo sofreu durante 40 dias no deserto, segundo o relato bíblico. Ele recordou que Jesus encontrou serenidade e um lugar de “silêncio e de pobreza”. Em mais uma possível referência ao materialismo na Igreja, Bento XVI criticou a instrumentalização de Deus, dizendo que todo cristão deve “superar a tentação de submeter Deus a si e ao próprio interesse”.

Bento XVI procurou justificar aos fiéis os motivos de sua saída – desta vez falando em italiano e não em latim, como havia feito na reunião com cardeais na segunda-feira. “Fiz isso com plena liberdade, para o bem da Igreja, depois de ter rezado por muito tempo e de ter examinada diante de Deus a minha consciência”, explicou.

 

“O que é que verdadeiramente conta na minha vida?”, questionou o papa renunciante. Referindo-se, na verdade, à vida de todo cristão, mas numa clara alusão também à sua decisão pessoal de abandonar o papado, declarou: “Quando se vai ao essencial, é mais fácil de encontrar Deus”. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

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