Duas semanas depois de ser desmentido pelo caseiro Francenildo dos Santos Costa, o ?Nildo?, que detalhou o que ocorria na mansão alugada no Lago Sul em Brasília por ex-assessores da prefeitura de Ribeirão Preto, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, pediu demissão do cargo. O presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, envolvido na violação do sigilo bancário de Nildo também se demitiu. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, foi outro que pediu exoneração em caráter irrevogável.
O substituto de Palocci será o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, que garantiu: a política econômica não muda. ?Essa política econômica foi a de maior êxito dos últimos 15 anos?, afirmou. Para o lugar de Mantega na presidência do BNDES vai Demian Fiocca, vice-presidente da instituição. Na vaga de Mattoso, entra Maria Fernanda Ramos Coelho, funcionária de carreira da Caixa há 23 anos.
Palocci caiu depois de ser desmentido pelo caseiro sobre suas relações com a chamada república de Ribeirão Preto e de se ver enredado numa série de irregularidades para desqualificá-lo como testemunha. Nildo sustentou que o ministro freqüentava a mansão no Lago Sul de Brasília – este dissera à CPI dos Bingos que jamais estivera na casa. Dois dias depois, o caseiro teve seu sigilo bancário violado. O escândalo chegou a seu ápice ontem, com o depoimento do presidente da Caixa à Polícia Federal.
O ministro deixou o governo desmoralizado diante do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ?Os direitos da cidadania estão acima das circunstâncias e dos indivíduos. Na medida em que o Estado de Direito não foi respeitado nesse episódio (a violação do sigilo de Nildo), o presidente imediatamente muda sua equipe com o afastamento da Caixa Econômica Federal e do ministro da Fazenda e faz a nomeação do novo ministro?, disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), ao deixar uma reunião com Lula. Do encontro também participou Mantega, o novo ministro.
Caseiro
O caseiro Francenildo do Santos Costa, o Nildo, comentou com uma única frase a demissão do ministro da Fazenda, Antônio Palocci: ?Ficou provado que o lado mais fraco não é o de um simples caseiro. O mais fraco é o lado da mentira?, disse na tarde de ontem, depois de informado da queda do ex-todo-poderoso ministro. Nildo não esconde que está abalado pela reação desencadeada pelo governo há 14 dias, quando desmentiu Palocci sobre suas idas na mansão onde havia partilha de dinheiro e festas apimentadas. O caseiro foi alvo de uma devassa. Sua movimentação bancária foi escarafunchada ilegalmente e até mesmo suas compras e dívidas pendentes com o comércio foram levantadas. Na gênese da reação do governo estava a suposição de que Nildo, rapaz de 24 anos, era um instrumento de uma conspiração política. De acordo com o fontes do governo ele dera a entrevista em proveito da oposição, em troca de R$ 25 mil depositados na sua conta na Caixa Econômica Federal (CEF). ?Eu pensava que não ia chegar aonde chegou?, desabafou.
Trinta inquéritos e sem foro privilegiado
Ribeirão Preto (AE) – As duas administrações do ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci, na prefeitura de Ribeirão Preto (SP), entre 1993 e 1996 e de 2001 a 2002, geraram ao menos 30 inquéritos civis e criminais, tanto no Ministério Público, quando na Polícia Civil da cidade paulista. Agora, Palocci perde o foro privilegiado e deve ser indiciado nos inquéritos criminais que ainda não foram arquivados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelo fato de ele ser ministro.
Por conta disso, o delegado seccional de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Benedito Antônio Valencise, avisou que agora indiciará Palocci pelos crimes de falsidade ideológica, peculato, corrupção de agentes públicos, formação de bando ou quadrilha e superfaturamento. Os crimes são investigados a partir do contrato do lixo firmado pela prefeitura com a empresa Leão Leão Ele será intimado nos próximos dias, até mesmo para ser indiciado, afirmou.
Promotores e a polícia adotam cautela, mas até mesmo um pedido de prisão pode ser solicitado contra o ex-ministro. Mesmo assim, de acordo com o promotor do Grupo de Atuação Especial Regional de Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), Sebastião Sérgio da Silveira, apesar de processos criminais terem sido arquivados no STF pelo fato de Palocci ter sido ministro, as investigações seguem na esfera cível. ?As ações de improbidade administrativa continuam em Ribeirão Preto, por parte do Ministério Público?, afirmou Silveira.
Entre as ações contra a administração de Palocci, a relação dele com o Grupo Leão Leão ganhou destaque nacional por envolver, além da companhia empreiteira, maior doadora da campanha de 2000 à prefeitura local, nomes como Rogério Buratti, Ralf Barquete dos Santos e Wilney Barquete. Todos foram ex-funcionários com cargos de chefia no Grupo Leão Leão e ex-secretários de Palocci. Ralf, morto em 2004, e Buratti lideraram o grupo apelidado de ?República de Ribeirão Preto?, que se reunia na casa alugada em Brasília (DF), em supostos encontros para fazer lobby.
Ministro foi o mais poderoso
Brasília (AE) – Chamado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, de a ?voz da razão? da economia mundial o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que se afastou ontem, do cargo, conseguiu nos três anos e três meses que esteve à frente do comando da política econômica angariar não só a confiança do mercado financeiro e do setor empresarial, mas também se firmar como o mais poderoso dos ministros do governo Lula.
Assumiu o cargo em meio a uma crise de confiança dos investidores na economia brasileira – no auge da turbulência o risco-país atingiu a marca de 2.443 mil pontos – e de ameaça do controle da inflação. Antes de se tornar o todo-poderoso ministro da Fazenda, ainda durante as eleições, teve papel decisivo na formulação da ?carta ao povo brasileiro?, documento no qual o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso com os três pilares da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso: câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal. Foi o articulador do apoio dado pelo já candidato eleito à renegociação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no final do governo FHC.
Como coordenador da equipe de transição, os seus seguidos pronunciamentos tiveram papel-chave para acalmar as turbulências e reduzir a taxa de câmbio, que no auge da crise, em 2002, chegou a bater a marca de R$ 4,00, o que provocou depois o surto inflacionário verificado no início de 2003.
Quando finalmente sentou na cadeira de ministro, reiterou o apoio ao programa com o FMI, seguiu a receita econômica promovida pelo seu antecessor Pedro Malan, montou uma equipe técnica e anunciou um choque fiscal com a elevação da meta de superávit primário das contas do setor público em 0,5 ponto porcentual, de 3,75% e 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Feitos os ajustes, saiu pelo mundo com a sua equipe para restaurar a confiança perdida dos investidores no futuro da economia brasileira.
Bornhausen: ?Demissão remove entulho?
São Paulo (AE) – O presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), afirmou ontem à noite que a demissão do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, representa ?a remoção de mais um entulho do governo Lula, um governo leniente com a corrupção?. E continuou nas críticas: ?Agora resta apenas a retirada do último entulho deste governo, que é o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a derrota nas urnas, nas eleições presidenciais deste ano?. O PFL é um dos principais aliados do maior concorrente de Lula neste pleito, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin. Na avaliação de Bornhausen, a demissão do ministro da Fazenda não deve arrefecer os ânimos da oposição.
Oposição afirma que afastamento é ?drible na lei?
Brasília (AE) – O vice-presidente do PSDB, deputado Alberto Goldmann (SP), afirmou que o pedido de afastamento – e não de demissão – do ministro da Fazenda Antônio Palocci pode ser entendido como ?um drible na lei?. ?A impressão que se tem é de que Palocci se mantém fora do ministério, mas com foro privilegiado?, comentou o tucano. No entender dele, ?ou é exoneração ou não é nada?. Goldmann observou que afastamento existe em caso de tratamento de saúde, ou férias. ?Desse jeito não existe, ele está se afastando para quê??, questionou. O vice-presidente do PSDB encaminhou ao presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), uma representação pedindo o impeachment de Palocci na semana passada.
?Ele fez o mundo respeitar o Brasil?, diz José Alencar
Brasília (AE) – Momentos antes de o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, pedir demissão, o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, defendeu-o ontem. ?Hoje, o mundo inteiro respeita o Brasil por causa do trabalho excepcional de Palocci?, disse. Após participar de um seminário organizado por prefeitos, Alencar afirmou que conhece o ministro da Fazenda como chefe de família e companheiro de reuniões ministeriais. ?Ele tem prestado um serviço relevante ao Brasil?, disse. ?O ministro recuperou a confiabilidade na economia brasileira.? O vice-presidente e ministro da Defesa, ressaltou que sempre fez críticas à política de juros, nunca a Palocci. ?O que eu reclamo é da política monetária?, disse.
Força Sindical compara Palocci a ?mau exemplo?
São Paulo (AE) – A Força Sindical qualificou ontem, em nota, o afastamento do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, como um fato ?benéfico? para o País. De acordo com o comunicado, é um ?péssimo? exemplo ?manter (no governo) um servidor público de alto escalão que passou a ser manchete diária nas páginas policiais, ao invés das páginas econômicas?. ?Um cargo da importância de condutor da economia não pode ter a imagem maculada com o envolvimento em atos ilícitos. A saída de Palocci só trará benefícios para o País?, afirmou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. A Força criticou ?a forma como foi conduzido o Ministério da Fazenda nos últimos anos?. Para Paulinho, ?Palocci curvou-se aos especuladores?.
Para presidente da OAB, saída é ?benéfica?
São Paulo (AE) – O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Antônio Busato, considerou como ?positiva? a saída do ministro Antônio Palocci do cargo, mas ressaltou que essa atitude foi tomada tardiamente, dada a gravidade das denúncias que recaem sobre ele. ?O próprio ministro já declarou que estaria vivendo um inferno astral. Esse é o resultado do inferno que ele mesmo criou?, disse Busato, ressaltando que ?a saída vem muito tarde e mostra que o governo tentou, de todas as formas, defender o ministro?. Busato ainda defende a abertura imediata de inquéritos, em todos os foros pertinentes, para apurar o envolvimento de Palocci em esquemas de corrupção supostamente montados tanto em Ribeirão Preto, quanto em Brasília.
