Palocci mandou quebrar sigilo, segundo PF

Foto: Lindomar Cruz/Agência Brasil
Antônio Palocci: depoimento escondido e fora da sede da PF.

A Polícia Federal (PF) concluiu que o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci foi o mandante da quebra ilegal de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o ?Nildo?. Para consumar o suposto crime, conforme as apurações, Palocci teria contado com a cumplicidade do ex-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) Jorge Mattoso, acusado de ter determinado a subordinados que bisbilhotassem a poupança de ?Nildo? na instituição. O ex-ministro da Fazenda e Mattoso estão indiciados por violação de sigilo funcional e quebra ilegal de sigilo bancário e podem pegar até seis anos de prisão, mais multa.

O inquérito será concluído no dia 21, mas a PF acredita ter desvendado a cadeia de comando da violação do sigilo bancário do caseiro. As investigações indicam que, na iminência de serem desmascarados, Palocci e o ex-presidente da CEF teriam concordado em confessar a violação, mas combinaram as versões que apresentariam nos depoimentos para facilitar a defesa deles e evitar outras tipificações penais, como a de formação de quadrilha. Para isso, contrataram bancas de advogados caros, uma delas comandada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Roberto Batochio.

A análise dos testemunhos e das provas materiais levantadas pela PF mostra que o ex-ministro teria se valido do cargo para obter informação à qual, por lei, não poderia ter acesso e a usado em proveito próprio, com o objetivo de perseguir um desafeto, utilizando, assim, aparato fiscal do governo. ?É inverossímil que toda a iniciativa tenha partido do Mattoso?, observou um policial com acesso às apurações.

No depoimento sigiloso que prestou terça-feira, em sua residência, na Península dos Ministros, à qual a reportagem teve acesso, Palocci confirmou que acionou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), subordinado a ele, para levantar dúvidas sobre movimentações de quantias elevadas na conta do caseiro, de modo a forçar a polícia a entrar na averiguação do caso.

Ele disse ter recebido a informação original sobre a existência de ?um bom dinheiro? movimentado por ?Nildo? da jornalista Helena Chagas, diretora da sucursal do jornal O Globo, em Brasília. A informação, conforme o relato de Palocci, fora passada a Helena pelo jardineiro da casa dela, que conhece o caseiro. Ela está em férias e o jornal divulgou uma nota na qual confirma que ela ?foi, realmente, procurada pelo ministro Palocci, que buscava obter informações sobre uma possível movimentação financeira estranha do caseiro?. Diz O Globo: ?A jornalista disse ao ministro que o jornal tomou conhecimento dessa versão, que circulava em Brasília, mas que ela não foi confirmada. Por isso, o jornal nada publicou a respeito.? Helena e o jardineiro serão convocados para depôr.

Palocci negou que tenha determinado a violação da conta, que Mattoso confessa ter feito por iniciativa própria, alertado, como diz, por informações de técnicos da Caixa Econômica sobre ?movimentações atípicas? na conta do caseiro. Entre janeiro e março, ele recebeu depósitos de quase R$ 30 mil na conta, sendo R$ 25 mil do suposto pai. Mas Palocci tinha certeza de que o dinheiro era fruto de suborno da oposição, numa operação orquestrada pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) para desestabilizar a admiistração federal. Para desmascarar o desafeto, o ex-ministro acionou o aparato fiscal e policial do Poder Executivo para devassar a vida dele.

Para chegar a essa constatação, os policiais perceberam uma contradição no depoimento de Palocci. Ao tempo em que reforça ter recebido a informação original de Helena, ele diz que destruiu ?no triturador de papéis? o extrato do caseiro, tão logo teve certeza de que o Coaf abrira processo de investigação da movimentação atípica na conta dele. ?Num gesto de desespero, ele fugiu do comportamento profissional e assumiu uma conduta pessoal?, comentou o mesmo policial.

Para fechar a rede de cumplicidades na investida atrapalhada do alto escalão do Executivo contra o caseiro, falta agora definir a responsabilidade pela entrega do extrato de ?Nildo? para a revista Época.

Ex-ministro agora depõe em Ribeirão Preto

Ribeirão Preto, SP (AE) – O delegado seccional de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Benedito Antônio Valencise, disse ontem que pretende ouvir o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci no dia 19 ou 20, no inquérito que apura cinco crimes, supostamente praticados durante a execução do contrato do lixo da Prefeitura. A intenção é interrogar Palocci em Ribeirão, mas, se não for possível, poderá ser mesmo em Brasília. Valencise, no entanto, afirmou que o inquirirá pessoalmente, não num depoimento por carta precatória. ?Eu presidi o inquérito desde o começo e uma carta precatória, por mais detalhada que fosse, não exploraria todo o assunto?, disse.

Ele intimaria Palocci ontem, por fax, durante o testemunho que prestaria na Polícia Federal (PF), mas o petista antecipou o interrogatório e falou terça-feira, retardando um pouco a intimação em Ribeirão. ?Ele será notificado de qualquer jeito?, disse Valencise, que ainda tentará marcar o interrogatório com o auxílio da PF na capital federal. Palocci, que administrou Ribeirão entre 2001 e 2002, também será indiciado por cinco crimes (falsidade ideológica, corrupção de agentes públicos, formação de bando ou quadrilha, peculato e superfaturamento no contrato de limpeza urbana) no próprio depoimento, pois o delegado declarou que existem provas das violações há muito tempo. Valencise citou o mapa do suposto pagamento de propinas do Grupo Leão Leão, com nomes de políticos da região, apreendido na empresa.

Tratamento VIP provoca indignação

Brasília (AE) – O privilégio concedido pela Polícia Federal ao ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, de tomar seu depoimento sobre a violação do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa em casa, provocou reações no Congresso e no Ministério Público. ?Acho que o ministro teve um tratamento mais do que privilegiado?, disse o senador José Jorge (PFL-PE).

Para o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos, senador Efraim Moraes (PFL-PB), a medida também causou estranheza. ?Estranho que se tratou de um depoimento VIP, mas eu tenho certeza que isso revolta cada vez mais a sociedade brasileira, que não aceita mais esse tipo de privilégios?, disse.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, concorda. ?Nós estamos no Brasil, nesse momento, dilacerando o conceito de prerrogativa de função ao ponto de até se criar um privilégio e ser indiciado em casa. Isso é absolutamente inaceitável sob o ponto de vista de um estado republicano?, disse ontem o procurador. ?No estado republicano deve-se exercer e aplicar o princípio da igualdade. Ou seja, tratamento igual para todos os cidadãos?, acrescentou.

Pela legislação brasileira, apenas os detentores de cargos e funções públicas têm a prerrogativa de combinar com a autoridade policial ou judicial o local, o horário e o dia do depoimento.

Depoimento causa crise na Polícia Federal

Brasília (AE) – Feito à revelia do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Paulo Lacerda, o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci provocou uma crise interna na corporação. Lacerda ficou contrariado com o tratamento especial dado a Palocci: o testemunho secreto ao delegado Rodrigo Carneiro, encarregado do inquérito sobre a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o ?Nildo?, foi tomado na residência oficial do Ministério da Fazenda e não nas dependências da PF.

Outro motivo do descontentamento de Lacerda foi o fato de o depoimento ter sido antecipado em um dia – estava previsto para ontem – sem que tivesse sido consultado. ?Ele ficou chateado?, disse uma fonte da PF. ?Não havia razão para o ex-ministro ter privilégio.? Para receber tratamento especial, Palocci alegou problemas cardíacos.

Lacerda, porém, informou que o delegado encarregado do inquérito não violou nenhuma norma funcional ou ética por ter tomado o depoimento do ex-ministro na residência dele e em horário fora do combinado, para fugir dos holofotes da imprensa, regalia negada aos demais envolvidos no caso. Ele reconheceu, entretanto, que houve falha de comunicação porque, embora o delegado tenha plena autonomia de ação, a PF não poderia confundir a mídia e a opinião pública com informações falsas.

Mesmo depois de o depoimento ter começado, às 17h de terça-feira, a PF divulgava que o interrogatório só seria realizado no dia seguinte, a partir das 10h.

Assessor de imprensa não é indiciado

Brasília (AE) – O jornalista Marcelo Netto, ex-assessor de Imprensa do Ministério da Fazenda, que usou ontem, no depoimento à Polícia Federal (PF), o direito legal de permanecer calado, não foi indiciado. Segundo a PF, o delegado Rodrigo Carneiro Gomes, que ouviu o testemunho de Marcelo Netto, não viu razões para incriminá-lo.

Isto porque, até o momento das investigações, não houve nenhum elemento, nenhuma prova material e nem mesmo uma acusação que o denunciasse pela quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o ?Nildo?.

Marcelo Netto esteve ontem na PF por mais de três horas. Ainda não há uma definição sobre se ele prestará um novo depoimento. Marcelo Netto deixou o prédio pela garagem privativa e não quis dar entrevista. Na entrada, o advogado do jornalista, Eduardo Toledo, disse que o cliente era inocente das acusações de ter participado da quebra do sigilo bancário de ?Nildo? e do vazamento dos extratos da conta de poupança dele na Caixa Econômica Federal (CEF).

Toledo confirmou, no entanto, que Marcelo Netto esteve na residência de Palocci no dia 16 de março, quando funcionários da CEF, a mando do então presidente do banco, Jorge Mattoso, violaram o sigilo do caseiro. O jornalista foi interrogado ontem, por causa da suspeita de que teria deixado vazar informações para a revista Época .

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