Em meio à corrida por uma vacina contra a Covid-19, alguns países como o Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá saíram à frente e já começaram a vacinar suas populações.

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A escolhida por todos até agora é a vacina Pfizer/BioNTech, a primeira a divulgar resultados de eficácia e a obter um registro de uma agência regulatória seguindo os protocolos usuais. Outros países, como a Rússia e a China, já começaram a vacinação de uso emergencial de parte de suas populações, com imunizantes ainda em estudo.

Países que fecharam acordos com as principais farmacêuticas aguardam agora a conclusão dos ensaios de fase 3 e registro das vacinas em suas agências regulatórias.

No entanto, segundo um artigo publicado nesta terça-feira (15) na revista científica BMJ, pelo menos um quarto da população mundial, ou 2 bilhões de pessoas, não deve receber a vacina antes de 2022.

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O estudo, feito por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins (EUA), avaliou as compras de doses de 13 das principais produtoras de vacinas acordadas até o dia 15 de novembro.

De acordo com os resultados, já foram feitas compras equivalentes a 7,48 bilhões de doses, suficientes para imunizar cerca de 3,8 bilhões de pessoas –considerando que as principais vacinas utilizam esquema de duas doses para imunização total.

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Desse total, cerca de 51% foi reservado por países ricos, incluindo os EUA e toda a União Europeia, que representam menos de 14% da população mundial.

O restante deve ser distribuído a países de renda média e baixa, que representam 85% da população mundial.

Os EUA fizeram a compra de 800 milhões de doses, o equivalente a 2,5 doses por pessoa, e é o país com o maior número de casos no mundo –um quinto do total de casos global.

Por outro lado, Japão, Austrália e Canadá reservaram, juntos, 1,03 bilhão de doses, embora os três países somados representem menos de 1% do total de casos de Covid-19 no mundo.

O Brasil possui acordos para, até o momento, 142,9 milhões de doses, sendo 100,4 milhões pelo acordo com a Universidade de Oxford/AstraZeneca e mais 42,5 milhões pelo consórcio Covax Facility, da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mais 160 milhões de doses devem ser produzidas pela Fiocruz no segundo semestre de 2021.

O país negocia com a Pfizer/BioNTech a compra de mais 70 milhões de doses. Não foram incluídas na conta do Ministério da Saúde as 46 milhões de doses do acordo entre o governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, com a fabricante chinesa Sinovac.

Na conta do artigo, porém, os pesquisadores somaram as doses da Sinovac à conta do Brasil.

Os países de renda média e baixa são os que possuem a menor quantidade de doses reservadas per capita e devem ficar atrás na fila por uma vacina, dizem os pesquisadores. “Mesmo a OMS não conseguiu ainda juntar os U$ 5 bilhões (cerca de R$ 50 bilhões) necessários para garantir doses suficientes aos países assinantes do Covax”, afirma Anthony So, autor principal do estudo e pesquisador do Instituto de Saúde Internacional da Universidade Johns Hopkins.

Dos 189 países do consócio, 97 entraram com recursos para apoiar o consórcio, como foi o caso do Brasil. “O problema, no entanto, são os 92 países de renda média e baixa que estão contando com o dinheiro arrecadado pela OMS para ter acesso às vacinas. O objetivo da Covax de disponibilizar pelo menos 2 bilhões de doses até o final de 2021 pode estar comprometido se não conseguir arrecadar mais fundos”, diz.

Dessa forma, os integrantes desses países podem ter de 60% a 40% da sua população sem receber doses ainda em 2021 considerando o cenário mais pessimista, caso os países ricos aumentem seus pedidos já feitos às empresas, e também no cenário mais otimista, onde esses mesmos países que detêm os maiores acordos disponibilizassem as doses remanescentes ao Covax.

Há, no entanto, pelo menos seis companhias que fecharam acordos com países de baixa renda. Entre esses acordos, a AstraZeneca/Oxford lidera na venda para países de média e baixa renda, com mais de 2 bilhões de doses já reservadas para essas populações.

A farmacêutica fechou parcerias em países como Índia e Rússia para disponibilizar doses que serão então distribuídas para outros países que não puderam celebrar acordos individuais.

O Instituto Gamaleya desenvolve sua vacina Sputnik V em parceria com o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês), e já fechou acordos para a distribuição de 349 milhões de doses fora da Rússia. Um desses países é o Brasil, mas os acordos, feitos com os governadores dos estados da Bahia e do Paraná, estão parados.

A China é a terceira nação a contribuir com as doses aos países de baixa renda. Cerca de 135 milhões de doses das fabricantes CanSino e Sinovac serão distribuídas a países como Brasil, México, Indonésia e Chile.

Outro dado importante citado no estudo é sobre a quantidade de candidatas a vacina que cada país apostou. Países ricos como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e União Europeia fecharam acordos com pelo menos seis fabricantes, Japão e Austrália com quatro e o Chile com três. O Brasil, no entanto, apostou em apenas uma vacina até agora, a da AstraZeneca/Oxford.

A disparidade entre as aquisições feitas por países ricos se reflete também nas apostas das tecnologias. Enquanto países como EUA, Canadá e Reino Unido apostaram em vacinas de todos os tipos, incluindo as de RNA, mais caras (o preço unitário da dose da vacina da Moderna é de U$ 37 e da Pfizer U$ 19,5, ou cerca de R$ 185 e R$ 97,50, respectivamente), países de renda média e baixa não conseguiram comprar essas vacinas em quantidade, e fecharam acordos, principalmente, com a AstraZeneca, cujo preço unitário da dose varia entre $ 3 e $ 4 dólares (cerca de R$ 15 a R$ 20).

Os autores reconhecem que o estudo possui limitações, como o fato de os contratos não serem públicos e de não poderem garantir que as doses serão entregues, mas fornece um retrato da corrida das vacinas, evidenciando como os países ricos saíram à frente para garantir suas doses e deixou países de média e baixa renda com acesso incerto.

“É possível que muitas das candidatas a vacina ainda não passem da fase 3, e outras opções, mais em conta, surjam no decorrer do tempo. Mas uma resposta efetiva à pandemia que já assolou mais de 73 milhões de pessoas e 1,6 milhão de vidas irá necessitar maior esforço e comprometimento, especialmente dos países ricos, para garantir uma distribuição da vacina equitável e justa a todos os países”, concluem os autores.