Genebra – O Brasil conta com pelo menos 559 mil crianças trabalhando em funções domésticas. Os dados fazem parte de um relatório que será publicado hoje pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e alerta que o caso brasileiro é um dos mais preocupantes em termos desse tipo de trabalho infantil. Como resposta ao problema, o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que lançará no dia 14 um novo programa nacional de erradicação do trabalho infantil.
No total, a OIT estima que o mundo tenha cerca de 10 milhões de crianças trabalhando em funções domésticas. Um dos problemas mais graves é que, no caso do Brasil, o fenômeno chega a ser visto como algo positivo por famílias que alegam que estão ajudando essas crianças. Segundo Miranda, porém, 30% delas não são remuneradas. Em muitos locais, essas crianças não são vistas como trabalhadoras, mas apenas como ajudantes, tornando seu envolvimento supostamente aceitável.
Embora reconheça o problema, o governo não apresenta os mesmos números do relatório da OIT. Para o secretário, o número de meninos e meninas trabalhando em funções domésticas é de 220 mil, já que não estariam sendo contabilizadas as pessoas com 16 e 17 anos de idade. Já o cálculo da OIT, que soma 559 mil crianças, inclui todos até 18 anos.
No total, estima-se que 200 milhões de crianças trabalhem no mundo em várias atividades. No Brasil, organizações não governamentais estimam que o número seja de 2,9 milhões, embora o governo garanta que o total foi reduzido em 44% desde a década de 90. O problema, segundo Nilmário Miranda, é que a evolução da erradicação do trabalho infantil foi desigual no País. “Regiões do Norte, Nordeste, Goiás e São Paulo não conseguiram os mesmos resultados que os demais estados e, por isso, estamos agora lançando um plano nacional”, afirmou.
Muitos ainda alertam que o número de crianças trabalhando como domésticas pode ser apenas o topo de um iceberg. “Trata-se de um problema invisível, pois essas crianças estão dentro de casas que não são verificadas”, afirmou June Kane, autora do relatório, que alerta que pouco se sabe se essas crianças são violentadas. Para o secretário de Direitos Humanos, não se poderia atacar o problema por meio de fiscais do trabalho já que o Ministério do Trabalho não pode entrar em casas. Para ele, a saída é conscientizar a população de que esse trabalho não é aceitável.
Segundo o relatório, o trabalho doméstico realizado por crianças tem cor e sexo. Mais de 90% das crianças nessa situação são meninas. No Recife, por exemplo, 94,5% são meninas. No País, 69% são negras. Muitos também começam cedo. Um estudo feito no Brasil com meninas entre 11 e 15 anos mostra que uma a cada dez trabalhadoras domésticas já atuava há mais de cinco anos na “profissão”.
1 milhão de crianças fora da escola
Genebra
– Os peritos em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) receberam ontem, em Genebra, um amplo relatório elaborado por uma rede de organizações não governamentais (ONGs) em que se denuncia a situação das violações aos direitos das crianças no Brasil e onde se faz um alerta: 1 milhão de crianças entre 7 e 14 anos estão fora da escola. As informações serão usadas pela ONU para avaliar, em setembro, a situação no Brasil. Apesar de grande parte dos dados corresponder aos anos do governo Fernando Henrique Cardoso, Renato Roseno, coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), alerta que a situação não melhorou com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Com 61 milhões de pessoas com até 17 anos, o Brasil assinou todos os tratados internacionais e possui leis internas garantindo o direito das crianças. Segundo os dados do relatório das ONGs, porém, “o País ainda está longe de, na prática, reconhecer suas crianças como sujeitos de direitos”. “A diferença entre o Brasil legal e o Brasil real é estúpida”, afirmou Roseno, lembrando que a omissão do governo pode ser considerada como uma das violações aos direitos humanos.
A ONU irá utilizar as informações para confrontar o documento preparado pelo governo sobre a situação das crianças e adolescentes e que foi entregue por Brasília no final do ano passado, com 12 anos de atraso. Para Roseno, esse atraso causou prejuízos importantes para aplicação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança no País. “Os direitos de mais de 23% das crianças e adolescentes no Brasil (14 milhões) estão sendo completamente violados”, afirma o relatório, que lembra que essa parcela faz parte da população de 9 milhões de famílias brasileiras com renda inferior a 25% do salário mínimo.
Uma das denúncias do relatório alternativo das ONGs se refere ao acesso dos jovens à escola. Segundo o estudo, o sistema educacional aprofunda as desigualdades. Apenas 1,2% de crianças entre 7 e 14 anos que integram a parcela mais rica da população não freqüentam a escola.