Bonecas distribuídas a crianças carentes em Goiás causaram polêmica nas redes sociais e também entre políticos do Estado. Os brinquedos, entregues pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) – uma entidade de assistência social do governo do Estado – têm órgão genital masculino, vestem roupa rosa e têm a boca rosada.

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Na cidade de Jataí, no sul de Goiás, 1,6 mil caixas com os brinquedos não puderam nem ser abertas. Vereadores enviaram um ofício à prefeitura da cidade, que impediu a entrega dos brinquedos às crianças. “Ficamos indignados com este tipo de apologia, por se tratar de material distribuído a crianças”, disse o vereador Gildenício Santos (PMDB). Em Anápolis, vereadores da Câmara Municipal assinaram uma nota de repúdio proposta pelo vereador Lélio Alvarenga (PSC).

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Um homem de Novo Gama, que não se identificou, postou um vídeo na internet reclamando do brinquedo. “Esta é a boneca que o governo de Goiás está dando. Dá pra ver: menina, de batom, usando rosa… Mas aí você vai tirar a roupa para sua filha brincar… Tem cabimento? Prefeitura de Novo Gama distribuindo um negócio destes!”, questiona, mostrando o pênis da boneca.

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“A minha filha ganhou; até foi na escola, mais não deixei com ela. Joguei fora; fui na loja e comprei outra pra ela”, afirmou outro pai, Ariel Pereira, de Rubiataba.

Em contrapartida, houve quem não se incomodasse e até mesmo criticou a polêmica. “Isso não é um bicho de sete cabeças, tenho filho e caso ele ganhasse uma boneca dessa eu aproveitaria para ensiná-lo. Quem não gostar não pegue, deixe para os outros. Deixa o governador fazer algo”, afirmou Valdymilla Andrade.

A opinião é compartilhada por Dianna Kelly, de Cidade Ocidental. “Doa pra minha filha, que ela quer. Eu não só sou capaz de dar a boneca a ela, como daria a bola o carrinho e qualquer outro brinquedo que tivesse lá, porque brinquedo é brinquedo, a maldade está na mente dessas pessoas. Tenho muita dó de crianças criadas por pessoas preconceituosas”.

O caso, porém, ganhou ainda mais repercussão com a manifestação de alguns políticos nas redes sociais, como foi o deputado federal Delegado Waldir (PR). “Bonecas do sexo feminino, com pênis, bonecas do sexo masculino com batons, explícito os órgãos genitais tanto feminino como masculino, incentivando a ideologia de gênero entre crianças… você acha correto que o dinheiro que pagamos de impostos sejam utilizados dessa forma?”. O deputado estadual Daniel Messac (PSDB) adotou o mesmo tom. “Estão fazendo uma doutrinação da chamada ideologia de gênero, um mecanismo para destruir as famílias”, afirmou.

Já o deputado Júlio da Retífica (PSDB) foi um dos que defenderam a OVG, ao se manifestar sobre o caso na tribuna da Assembleia Legislativa. O parlamentar, que é do mesmo partido do governador Marconi Perillo, afirmou que estão colocando “chifre em cabeça de égua”. “Os brinquedos são divididos em bonecos e bonecas, cada qual com suas respectivas roupas e correspondendo ao sexo de cada brinquedo”, frisou.

Em coletiva de imprensa nessa quinta-feira, 14, o diretor-geral da OVG, major Augusto, se disse “surpreso” com toda esta repercussão, mas afirmou que a entidade respeita a opinião das pessoas. “A OVG está aberta a sugestões e críticas e também nos colocamos à disposição para receber as devoluções de brinquedos, os pais têm a opção de escolha de outros itens que estão sendo distribuídos em todo o Estado”, frisou. A OVG e o governo estadual fazem a distribuição de brinquedos às crianças no Natal desde 1999. “A gente acredita que está havendo um equívoco, porque não é a intenção causar nenhum tipo de polêmica. A intenção é levar alegria às crianças, reforçar os vínculos e estimular o espírito natalino nas pessoas”, assinalou.

Ao fazer uma análise do episódio, a psicóloga e master coach Mara Suassuna destaca que é importante observar em que fase do amadurecimento infantil essa questão é colocada, uma vez que os bonecos são destinados a crianças de 1 a 5/6 anos, fase que ela define como “primeira infância”. “É um momento em que criança está em fase de formação da personalidade e isto pode sim causar uma certa confusão. Diferente do impacto que seria em adolescentes, por exemplo. Para quem já passou pelo processo de formação, ou mesmo para adultos, esse episódio permite uma discussão sobre a desconstrução de gênero. Mas temos que lembrar que crianças muito novas estão no processo inverso, de construção de referências”, pondera.

Para a especialista, no entanto, é fundamental o diálogo e a orientação por parte dos pais e profissionais capacitados; não transformar o episódio em um “bicho-de-sete-cabeças” e fomentar uma discussão positiva sobre a questão de gênero. “O problema não está no brinquedo em si. A boneca menina pode sim usar roupinhas masculinas, por exemplo. A questão é como a forma de expor isso para pessoas em formação. Não podemos olhar para as crianças com a perspectiva do adulto”, avalia.