Brasília – A relatora especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Asma Jahangir, disse ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que recomendará em seu relatório o envio de um grupo da ONU para inspecionar o poder Judiciário brasileiro.
Na reunião, a relatora disse que o Brasil precisa federalizar os crimes contra os direitos humanos para que eles passem a ser investigados pela Polícia Federal. A informação foi divulgada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que participou do encontro entre o presidente e a relatora da ONU na manhã de ontem. Lula e Bastos se comprometeram em aprovar a medida.
A reunião foi realizada no palácio do Planalto. Segundo o ministro, o presidente se mostrou favorável à medida. Entretanto, a federalização dos crimes contra os direitos humanos só pode ser implantada por meio de uma emenda à Constituição. A medida está prevista na reforma do Judiciário, que está em tramitação no Congresso Nacional. “Apoiamos essa medida e acreditamos que ela pode ser votada em separado, independente do que tenha acontecido ou venha a acontecer com o resto da reforma”, disse o ministro.
Para Bastos, se esse ponto for votado em separado, a federalização dos crimes contra os direitos humanos pode ser aprovada este ano. “A Polícia Federal já tem investigado todos os crimes que envolvem violação forte dos direitos humanos. Isso seria a homologação de uma coisa que já existe”, disse o ministro.
Durante mais de três semanas, a relatora, de origem paquistanesa, colheu depoimentos sobre violações dos direitos humanos em seis estados do Brasil e se reuniu com autoridades estaduais e federais, a fim de reunir subsídos para elaborar um relatório que será apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Do material deverão constar várias recomendações ao governo brasileiro, entre elas sugestões de mudanças na lei, como a que prevê prazo prescricional de 20 anos para homícidios.
A impunidade em relação a policiais que atuam em grupos de extermínio é uma das semelhanças encontradas pela relatora. Ela aproveitou a reunião com o presidente para criticar o trabalho desenvolvido pela Febem de São Paulo e para elogiar a união das forças da sociedade civil na luta contra o crime organizado no Espírito Santo.
Segundo o ministro, o governo brasileiro apresentou as ações tomadas para o combate à violência. “Foi colocada para ela aquela velha tese que na verdade, no Brasil, se tem uma linha de montagem de criminalidade e não uma linha de combate à criminalidade. Nós falamos da necessidade de alterar as ferramentas que o Estado tem para trabalhar com a realidade, que são as Febems, polícia, o Judiciário e o sistema prisional”, disse Bastos.
Fausto: “Nós somos o quê? O Iraque?”
Brasília – Os presidentes dos tribunais superiores reagiram com indignação à sugestão da representante da ONU. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Côrrea, criticou a medida, enquanto o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Nilson Naves, chamou-a de “descabida”. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, também reagiu à intenção de Asma Jahangir, de solicitar que o organismo internacional realize uma inspeção no Poder Judiciário brasileiro. “Essa idéia de um representante da ONU inspecionar o Judiciário brasileiro nos coloca no mesmo plano do Iraque. Nós somos o quê? Uma República submetida a um controle internacional?”, questionou.
O presidente do TST adiantou, ainda, que dificilmente o Judiciário se deixará inspecionar: “Em relação a um Poder que tem como característica a sua independência, acho difícil que o Judiciário se deixe inspecionar por representante da ONU, seja ele quem for”, disse.
Para o ministro, que um representante da ONU faça uma avaliação do Judiciário brasileiro e diga que o Poder precisa de reforma é uma intromissão, mas não tão séria quanto a inspeção que a relatora especial da ONU para Execuções Extrajudiciais Sumárias ou Arbitrárias, Asma Jahangir, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que irá solicitar em relatório. “Essa intenção da representante da ONU deve ser repelida pela cúpula do Judiciário”, defendeu o presidente do TST.