O plano do governo de leiloar poços de petróleo em uma área próxima do Parque Nacional de Abrolhos, uma das regiões de maior biodiversidade marinha do planeta, mobilizou cinco grandes organizações ambientais, para alertar sobre o risco de exploração em águas profundas na região.
A Conexão Abrolhos, uma coalização formada pela Conservação Internacional (CI-Brasil), Oceana no Brasil, Rare, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil, pretende sensibilizar o governo e empresas que venham a participar da 16.ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da Agência Nacional do Petróleo (ANP), prevista para ocorrer em 10 de outubro.
Os riscos da exploração de quatro blocos de petróleo e gás, localizados em uma bacia sedimentar conhecida como Camamu-Almada, no litoral da Bahia, foram apontados por um parecer técnico elaborado pelo Ibama.
Em abril, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que este parecer pedia a exclusão desses blocos do leilão, por causa dos impactos que a área poderia sofrer em caso de acidente com derramamento de óleo. O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, no entanto, decidiu ignorar o parecer técnico e, numa atitude inédita, contrariar seus próprios especialistas, e autorizou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) a seguir com o leilão.
Dias depois, uma segunda reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que a decisão de Bim, na realidade, atendia a um pleito feito diretamente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O parecer do Ibama que pedia a rejeição do bloco próximo a Abrolhos foi emitido no dia 18 de março. No dia 29 de março, a então secretária-executiva do MMA, Ana Maria Pellini, braço direito do ministro Ricardo Salles enviou um ofício a Eduardo Fortunato Bim, para que ele revisasse a decisão do grupo técnico. Na ocasião, determinou a Bim que fizesse a “avaliação de seu teor”, por causa da “relevância estratégica do tema”.
A secretária-executiva ainda deu até um prazo, pedindo ao que se manifestasse até o dia 1º de abril. Foi exatamente o que ocorreu. Na data acertada, Bim encaminhou sua decisão diretamente a Ana Maria Pellini. Em duas páginas, ele rejeitou as argumentações técnicas e manteve os blocos de petróleo no leilão.
Segundo as organizações da Conexão Abrolhos, a autorização reconhece o risco de derrames acidentais atingirem “em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas”, mas ainda assim libera a inclusão das áreas nas proximidades de Abrolhos. Para além do impacto ambiental, a gerente do programa Mata Atlântica/Marinho, do WWF-Brasil, Anna Carolina Lobo, chama a atenção para a relevância econômica da região preservada.
“A conservação dos ambientes costeiro e marinho da região de Abrolhos é fundamental para geração de emprego e renda. Tanto a pesca quanto o turismo de observação da natureza são atividades que movem a economia da região, espelhando o que ocorre em outros países”, disse Lobo. “Em todo o mundo, a contribuição direta dos corais para indústria do turismo é de US$ 36 bilhões por ano, além subsidiar a criação de 6 milhões de empregos diretos relacionados à pesca, gerando US$ 6 bilhões anuais em receita.”
O Ibama nega que haja irregularidades na liberação dos poços. A ANP não comenta o assunto. O MMA sustenta que cabe ao Ibama autorizar o leilão e que o empreendedor interessado é quem deve analisar se aquele empreendimento lhe interessa ou não, uma vez que o licenciamento ambiental que autoriza a exploração só é iniciado após a venda dos blocos pelo governo.
Parque abriga espécies ameaçadas de extinção
Guilherme Dutra, diretor de estratégia costeira e marinha da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil), chama a atenção para a riqueza natural. “Abrolhos é a área com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, com ecossistemas extremamente sensíveis ao toque de óleo, como recifes e manguezais. Explorar petróleo em áreas que ofereçam risco para a região seria uma inconsequência, tanto para imagem e reputação das empresas interessadas, quanto para o ambiente marinho e para cerca de 100 mil pessoas que vivem do turismo e da pesca na região”, disse.
As ONGs afirmam que o processo está cercado de insegurança jurídica e chamam a atenção para um histórico de tentativas de exploração de petróleo próximo a Abrolhos e os riscos da atividade para todo o ecossistema marinho da região. “As cartas de sensibilidade ambiental a derramamentos de óleo, instrumento do próprio governo, essenciais para planejar ações em caso de acidentes, classificam a região como sendo de alta sensibilidade”, comentou Ademilson Zamboni, oceanógrafo e diretor-geral da Oceana no Brasil.
“A metodologia é validada mundialmente para apoiar ações nos casos mais trágicos. Choca o fato do governo negar suas próprias ferramentas. É difícil acreditar que investidores comprometidos com o desenvolvimento sustentável e mesmo com a segurança de seus negócios possam ignorar esse fato. Trata-se de risco para o meio ambiente, para as atividades produtivas e para a vida das pessoas”, afirmou.
O banco compreende uma área de 32 mil quilômetros quadrados de água rasa, com recifes de coral e manguezais, entre a Bahia e o Espírito Santo. Ali ocorrem outras espécies endêmicas, como tartarugas e aves marinhas ameaçadas de extinção. Abrolhos também é conhecida como a principal área de reprodução de baleias jubarte nessa região do Oceano Atlântico. Levantamento da biodiversidade do Banco de Abrolhos, publicado em 2006 pela Conservação Internacional, contabiliza 1.300 espécies, 45 delas consideradas ameaçadas de extinção.
Ação na Justiça
No mês passado, os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entraram com uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal, para requerer a exclusão dos blocos de petróleo próximos do Parque Nacional de Abrolhos, que o governo pretende leiloar em outubro.
A ação com pedido liminar de tutela de urgência foi juntada a uma petição anterior apresentada pelos senadores, na qual requeriam os documentos do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente que levaram à inclusão dos blocos no leilão.